terça-feira, 2 de outubro de 2012

A HISTÓRIA DA BÍBLIA





John Mein






A Bíblia
e como chegou
até nós

1977

3ª edição

(Atualizada e ampliada)
SUMÁRIO

Uma Palavra ............................................................................3
Introdução ............................................................................... 4

1. A Bíblia e como chegou até nós. ................................................9
Sua Origem. ............................................................................. 9
2. As Línguas da Bíblia ................................................................. 12
A Língua no Velho Testamento...................................................12
A Língua no Novo Testamento ...................................................13
3. Os Nomes da Bíblia .................................................................. 15
Técnicos.................................................................................... 15
Figurativos................................................................................. 15
4. A Autoria da Bíblia .................................................................... 19
A Origem Natural ...................................................................... 19
A Origem Sobrenatural.............................................................. 20
5. O Plano na Bíblia ...................................................................... 21
O Velho e o Novo Testamentos.................................................. 21
Cristo é o Tema......................................................................... 23
O Plano Satânico descoberto..................................................... 26
As Trindades da Bíblia............................................................... 31
6. Manuscritos.............................................................................. 33
O Manuscrito Vaticano............................................................... 35
O Manuscrito Sinaítico............................................................... 35
O Manuscrito Alexandrino.......................................................... 36
O Códex de Efraim..................................................................... 37
7. As Traduções da Bíblia.............................................................. 38
A LXX........................................................................................ 38
A Vulgata................................................................................... 39
A Renascença............................................................................ 40
8. A Versão de Almeida.................................................................. 44
9. A Versão de Figueiredo.............................................................. 51
10. A Edição Brasileira..................................................................... 54
11. Como a Bíblia chegou ao Brasil ................................................ 56
12. A Sociedade Bíblica do Brasil.................................................... 58
13. A Sociedade Bíblica do Brasil e sua Edição Revista e Atualizada 60
14. A Imprensa Bíblica Brasileira................................................... 63
15. A Tradução Revista da Imprensa Bíblica Brasileira.................... 67


UMA PALAVRA

Estes estudos tiveram início no ano de 1918, quando trabalhávamos no Campo Batista Fluminense, e, junto com o Dr. A. B. Christie, enviamos estudos por correspondência aos obreiros. Crendo que nem todos podem nem querem ler as obras mais prolixas sobre a história da Bíblia e que há necessidade destes estudos, a fim de que os que crêem em Cristo possam “responder com mansidão e temor a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há neles”, findamos esta pequena obra, que não pretende esgotar o assunto.
Na preparação deste trabalho, muitos livros foram lidos, porém dos seguintes tomamos algumas sugestões e fizemos diversas citações: em inglês: The Book of Books, W. G. Evans; The Seripture of Truth, Collett; Knowing the Scriptures, Pierson; How We Got Our Bible, Smyth; em português: A Bíblia em Portugal, por G. L. Santos Ferreira.
Os Drs. H. C. Tucker e Alexander Telford, secretários das Sociedades Bíblicas no Rio de Janeiro, auxiliaram­-nos. Aquele, pelos relatórios, etc., que nos deu, e este, por franquear os catálogos das escrituras em português que têm.
Praza aos céus que estes estudos sirvam de bênção aos seus leitores, a fim de que compreendam a história gloriosa da transmissão da Palavra de Deus através dos séculos, desde o dia em que ele escolheu a Israel para que lhe confiasse até o dia de hoje.

Maceió - Fevereiro de 1924



John Mein




INTRODUÇÃO

Se alguém perguntasse a um crente de onde veio a Bíblia, quem a escreveu, e quando e onde foi escrita, talvez não pudesse responder de pronto e satisfatoriamente. Porém a estas perguntas responderiam aqueles que estudassem tais assuntos. Há milhões de pessoas em toda parte do mundo que aceitam a Bíblia como a palavra inspirada de Deus e a usam como o seu guia diário. Os tristes acham nela conforto; os tentados, conselhos; e ela transforma as pessoas que a aceitam como a voz de Deus. O mundo desfruta sempre dos atos de amor que ela inspira.
Entre o povo que ama a Bíblia há muitos dos mais nobres deste mundo. Milhares desses prefeririam sofrer qualquer prejuízo a perder a Bíblia. A história do cristianismo está repleta de mártires que foram lançados na prisão pelo amor à Bíblia; não poucos se ocupavam com a tarefa impossível de exterminar a Bíblia. Temos hoje a palavra de Deus pelos sacrifícios que os nossos antepassados fizeram através dos séculos, muitos estão prontos a padecer pelo amor leal que têm para com o Livro Inspirado, embora, na maioria, não possam responder a todas as perguntas a seu respeito. Escrevo estes estudos para que os leitores saibam que a Bíblia que temos é substancialmente a mesma que o nosso Mestre e os seus apóstolos e os primeiros crentes usaram.
“A Bíblia é na religião o que o telescópio é na astrologia”. Ela não contradiz coisa alguma outrora conhecida. Ela conduz a vista para novos mundos, abre as mais lindas visões e descobre belos sistemas onde pensávamos que houvesse só coisas vagas ou escuridão”.

O Antigo Testamento em Hebraico
Este relato teve início muitos séculos antes de Cristo. Escribas, sacerdotes, profetas, reis e poetas do povo hebreu mantiveram registros de sua história, do relacionamento de Deus com eles e de suas visões inspiradas e esperanças. Como tais registros constituíam uma parte muito importante da vida deles, eles foram copiados e recopiados muitas vezes. De geração em geração tais registros foram usados por eles nos templos, em suas sinagogas e residências.
Com o passar do tempo, estes registros sagrados foram reunidos em três coleções conhecidas como "A Lei", "Os Profetas", e "As Escrituras". Estas três coleções, especialmente a terceira, não foram fixadas e encerradas antes do Concílio Judaico de Jamnia (por volta de 95 a.D.). A Lei continha os primeiros cinco livros da nossa Bíblia. Os Profetas incluíam não apenas Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze Profetas Menores, como também Josué, Juizes, I e II Samuel, e I e II Reis.
Os livros do Antigo Testamento foram escritos em longos pergaminhos fabricados com pele de cabra fina, e foram copiados por escribas com extremo cuidado. Geralmente cada um destes livros era escrito em um pergaminho separado, embora a Lei freqüentemente estivesse copiada em dois grandes pergaminhos. O texto era em hebraico, escrito da direita para a esquerda. (Apenas alguns capítulos encontram-se escritos em dialeto aramaico.).
O trecho mais antigo do Antigo Testamento em Hebraico* hoje conhecido é um pergaminho de Isaías. Este pergaminho provavelmente foi escrito durante o segundo século a.C. e pode ser muito semelhante ao pergaminho utilizado por Jesus na Sinagoga em Nazaré. Ele foi descoberto em 1947, assim como outros que foram descobertos posteriormente dentro de uma caverna próxima ao Mar Morto.
As Escrituras incluíam o grande livro de poesia, os Salmos, e também Provérbios, Jó, Ester, Cantares de Salomão, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Daniel, Esdras, Neemias, e I e II Crônicas.
O Antigo Testamento em Grego
A língua grega restringia-se quase inteiramente à Palestina, mas muito antes do tempo de Cristo existiram comunidades israelitas em muitas regiões do mundo antigo. Devido às conquistas de Alexandre e seus sucessores, o grego havia se transformado na língua mais amplamente utilizada. Portanto, no terceiro século a.C. as Escrituras Hebraicas foram traduzidas para o grego, para serem utilizadas naquelas comunidades. Esta tradução grega é denominada "Septuaginta".
A Septuaginta contém sete livros que não fazem parte da coleção hebraica; eles não estavam incluídos quando o cânon do Antigo Testamento (ou lista oficial) foi estabelecido por exegetas israelitas ao final do primeiro século d.C. A igreja primitiva geralmente incluía tais livros em sua Bíblia. Eles são chamados "Apócrifos" ou "Deuterocanon", e encontram-se presentes nas Bíblias de muitas igrejas.
Este Antigo Testamento em grego foi utilizado em sinagogas de todas as regiões do Mediterrâneo, e foi portanto de grande utilidade para os primeiros discípulos de Jesus em seus esforços para ganhar convertidos a Ele.
E como a língua grega era compreendida em todas aquelas regiões, os escritores do Novo Testamento escreveram em grego.
O Novo Testamento em Grego
Os primeiros manuscritos do Novo Testamento que chegaram até nós são algumas das cartas do Apóstolo Paulo escritas a pessoas ou pequenos grupos de pessoas em diversas cidades e povoados que haviam crido no Evangelho que ele lhes pregara. Estes grupos foram o início da igreja cristã. Eles receberam estas cartas, deram-lhes grande valor e preservaram-nas com todo cuidado. Logo depois grupos de convertidos vizinhos desejaram ter cópias, e foi assim que as cartas de Paulo começaram a circular. A necessidade de ensinar novos convertidos e o desejo de relatar o testemunho dos primeiros discípulos em relação à vida e os ensinamentos do nosso Senhor também levaram à escrita dos Evangelhos. Eles constituem uma fonte inestimável de informações sobre Jesus e seus ensinamentos. Estes manuscritos passaram a ser muito solicitados a medida em que as igrejas cresciam e se espalhavam. Outras cartas, exortações, sermões, e manuscritos cristãos semelhantes também passaram a circular. O mais antigo fragmento do Novo Testamento hoje conhecido é um pequeno pedaço de papiro escrito no início do segundo século a.D. Ele contém algumas palavras de João 18:31-33, no verso contém palavras dos versículos 37 e 38. Nos últimos cem anos descobriu-se uma quantidade considerável de papiros contendo o Novo Testamento e o texto em grego do Antigo Testamento. Estes manuscritos daqueles primeiros tempos revelam muito aos estudiosos sobre a vida na época em que o Novo Testamento foi escrito, e sobre os primeiros textos da Bíblia.
Outros Manuscritos
Além dos livros que compõem o nosso atual Novo Testamento, havia outros que circularam nos primeiros séculos da era cristã, como as Cartas de Clemente, o Evangelho de Pedro, o Pastor de Hermas, e o Didache (ou Ensinamento dos Doze). Durante muitos anos, embora os evangelhos e as cartas de Paulo fossem aceitos de forma geral, não foi feita nenhuma tentativa de determinar quais dos muitos manuscritos eram realmente autorizados. Entretanto, gradualmente o julgamento das igrejas, orientado pelo Espírito de Deus, reuniu a coleção das escrituras que constituíam um relato mais fiel de Jesus, Sua vida, Sua autoridade e Sua influência. No quarto século registrou-se um comum acordo entre os concílios das igrejas, e o Novo Testamento foi constituído.
Os dois manuscritos mais antigos da Bíblia em grego podem ter sido escritos naquela ocasião - o grande Codex Sinaiticus e o Codex Vaticanus. Estes dois inestimáveis manuscritos contêm quase a totalidade da Bíblia em grego. Ao todo temos aproximadamente vinte manuscritos do Novo Testamento escritos nos primeiros cinco séculos.
Quando Teodósio proclamou e impôs o cristianismo como única religião oficial no Império Romano no final do quarto século, surgiu uma demanda nova e mais ampla por boas cópias de livros do Novo Testamento. É possível que o grande historiador Eusébio de Cesaréia tenha conseguido demonstrar ao imperador os quão danificados e usados já estavam os livros dos cristãos, porque o imperador encomendou cinqüenta cópias grandes para as igrejas de Constantinopla. É provável que esta tenha sido a primeira vez em que o Antigo e o Novo Testamentos foram apresentados em um único volume, agora denominado Bíblia.


1CAPÍTULO

A BÍBLIA, E COMO CHEGOU ATÉ NÓS


Sua Origem


Houve um tempo em que a palavra inspirada de Deus não era ainda escrita. O homem falhou à prova da consciência e entrou por uma nova época debaixo da lei. Então começou a necessidade da palavra escrita. Não há evidência de que o homem tivesse a palavra de Deus escrita antes do dia em que Jeová disse a Moisés: “Escreve isto para memorial num livro” (Êx 17:14). Daquele tempo em diante os homens de Deus “falaram inspirados pelo Espírito Santo”.
Davi era “o amável em salmos de Israel” (2 Sm. 23:1); Lucas escreveu o Evangelho que tem o seu nome, e o Apocalipse foi escrito pelo apóstolo João, (Revelação de Jesus Cristo... a João seu servo; o qual testificou da palavra de Deus, e do testemunho de Jesus Cristo, e de tudo o que tem visto” (Ap. 1:1, 2). Entretanto, havia homens santos aos quais Deus falou, como Noé, Abraão e José. Mas não lemos que alguns deles fora inspirados para escrever a palavra de Deus.
Às vezes, Deus revelou a sua vontade oralmente, numa maneira direta e pessoal, como a Adão, a Caim, a Noé, a Abraão, a Abimeleque, a Isaque, a Jacó e a muitos outros.
Devemos lembrar-nos de que havia sempre duas testemunhas de Deus, a saber: (1) As suas obras: “Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos (Sal. 19:1); "O que de Deus se pode conhecer neles está manifesto; porque Deus lho manifestou. Porque coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas (Rm. 1:19, 20). (2) A consciência do homem: “Os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência" (Rm. 2:15). Assim, o homem possuía desde o princípio um conhecimento de Deus sem as leis escritas. “Escondeu-se Adão... da presença do Senhor Deus" (Gn. 3:18). Porque a sua consciência conde­nou-o quando ouviu a voz do seu Criador. Depois de matar o seu irmão, Caim foi interrogado por Deus e, acusado pela consciência, replicou: "Não sei; sou eu tutor do meu irmão?" (Gn. 4:9). Entretanto, a consciência não serve como um veículo da revelação divina, porque pode ser cauterizada e fica quase inutilizada. A natureza nos ensina somente que Deus é o Criador. Conseqüentemente, havia necessidade de uma revelação que durasse para sempre. Tal é a palavra escrita, "que permanece para sempre" (1 Pe. 1:23).
O estudo metódico da Bíblia ensina que Deus escolheu um povo particular para ser o intermediário da revelação. Abraão, conhecido como pai dos fiéis, foi chamado para deixar a sua terra e parentela e ser condutor do próprio povo de Deus. Para confirmar a sua aliança com o seu servo, Deus disse-lhe: "Não se chamará mais o teu nome Abrão, mas Abraão será o teu nome; porque por pai de muitas nações te constituirei" (Gn. 17:5). Deus escolheu o povo judaico (Dt. 14:2) e o separou para que fizesse dele depósito da sua verdade e por ele entregasse a Bíblia ao mundo; "As Palavras de Deus lhes foram confiadas" (Rm. 3:2). Depois que a família de Abraão foi provada, Deus permitiu que o povo fosse ao Egito em escravidão. No auge dos sofrimentos do povo de Deus, Ele preparou maravilhosamente Moisés, "o qual recebeu as palavras de vida para no-las dar" (At: 7:36). E lemos que Moisés "escreveu todas as palavras do Senhor" (Êx. 24:4).
"Deus fez homens livros" antes de dar a palavra escrita. Adão trouxe a História da criação através de 930 anos e, sem dúvida, contou-a, assim como a sua queda, a Lameque, pai de Noé, de quem foi contemporâneo por 56 anos. Lameque, por sua vez, foi contemporâneo de Sem, filho de Noé, por mais de 90 anos: Pelas palavras: “Noé era homem justo e reto entre seus contemporâneos” (Gn. 6:9), podemos saber como Deus, por meio de um só pregador, garantiu a transmissão verbal da sua revelação. Noé foi contemporâneo de sete gerações antediluvianas e de onze pós-diluvianas, assim; vivendo durante 58 anos da vida curta do patriarca Abraão, e morreu 17 anos antes da saída dele para a terra da promessa. Não nos é difícil compreender como ele ouvisse dos seus antepassados das grandezas e longanimidade de Deus e, por sua vez, as narrasse à sua descendência, acrescentando as histórias do dilúvio e a confusão de línguas. Abraão assim veio, a saber, de tudo e a ter sua fé fortalecida.
Podemos imaginar Abraão historiando os fatos ao seu netinho Jacó, que tinha 14 anos quando o "Pai dos fiéis" morreu. Quão interessantes ao menino seriam as histórias da criação, da trasladação de Enoque, do dilúvio, da confusão das línguas, das suas próprias experiências, como a da saída da sua própria terra, dos concertos, de como Deus lhe mudou o nome e da ocasião de levar Isaque para a terra de Moriá, quando Deus o submeteu à maior prova e ele chegou a conhecê-lo como "Jeová-Jiré" (Gn. 22:14).
Jacó jamais poderia apagar da sua memória estas coisas e durante todos os anos da sua vida meditaria sobre as maravilhas divinas. Ao narrar tudo ao seu neto Coate, Jacó poderia acrescentar as suas próprias experiências em Betel e no vau de Jaboque. Coate relatava a história a Anrão, e este, por sua vez, a Moisés, o seu filho, que assim teve todas as informações necessárias para escrever o livro de Gênesis, quando Deus lho ordenou a fazer. Portanto, podemos traçar a história da transmissão verbal da palavra de Deus desde o dia em que ele falou a Adão (Gn. 1:28) até o tempo em que ordenou a Moisés que a escrevesse num livro (Êx. 17:14). Adão transmitiu-a a Lameque; Lameque a Noé; Noé a Abraão; Abraão a Jacó; Jacó a Coate; Coate a Anrão e Anrão a Moisés. Sete homens trouxeram a revelação desde a criação até que a Bíblia começou a ser escrita. Sete é o número bíblico que significa perfeição. Assim, Deus deu a sua palavra, "porque a profecia não foi antigamente produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram pelo Espírito Santo" (2 Pe. 1:21).

2CAPÍTULO

AS LINGUAS DA BÍBLIA


O estudo das diversas línguas é interessante e de muito proveito. As línguas estão sempre se modificando e mudando com o desenvolvimento dos povos e inter-relacionando as nações. Será necessário que reconheçamos isto neste estudo. Deus não inspirou a Bíblia na língua portuguesa, embora tenhamos a Bíblia inspirada em nossa língua. Originalmente a Bíblia fora escrita em três línguas, a saber: Hebraica, Aramaica e Grega. Esta era a língua do Novo Testamento. Alguns comentadores dizem que provavelmente Abraão deixou de usar a velha língua semítica - A caldaica - a qual era a da sua própria terra (Gn. 12:1-5), quando saiu de Ur, e adotou a língua dos cananeus, em cujo meio foi morar. A sua descendência - os hebreus - mais tarde, durante o cativeiro em Babilônia, deixou de falar a língua hebraica e adotou a caldaico-aramaico, a qual continuou a ser falada até os tempos de Jesus Cristo. Esta língua Cananéia, que Abraão usou, era, provavelmente, a mesma ou alguma forma dela, que foi conhecida mais tarde como hebraica. Parece que a língua hebraica foi chamada "a língua do Canaã" (Is. 19:18). Algumas das tabuinhas de Tel-el-Amarna, descobertas em 1887 no Egito, assim chamadas pelo nome do lugar em que foram achadas, com data de 400 anos mais ou menos depois de Abraão, são escritas em boa língua Cananéia ou língua hebraica.
A Língua do Velho Testamento
Com poucas exceções, o Velho Testamento foi escrito na língua hebraica. Esta era a língua do povo de Israel e chamada “a língua judaica” (II Reis 18:26). Esta língua continuou ser falada e escrita pelos hebreus até o cativeiro, quando adotariam a aramaica ou siríaca, a qual é um dialeto da hebraica. Devido a esta mudança de língua, os versados na língua hebraica podem descobrir três períodos em que se divide a história do desenvolvimento dela. Cada período e distinguido pelo seu estilo e idioma.
1) O período em que foi escrito o Pentateuco. É o da língua hebraica falada no tempo de Moisés.
2) O período em que a língua alcançou o ponto do seu maior desenvolvimento em pureza e refinamento. Neste foram escritos os livros de Juizes, Samuel, Reis, Crônicas, Salmos do Davi, Provérbios e os demais livros de Salomão e as profecias de Isaías, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum e Habacuque.

3) O período em que foram escritos os demais livros de profecias, assim como os de Ester, Esdras e Neemias. Durante esta época, palavras, frases e idiotismos de línguas estrangeiras tinham sido incorporados àhebraica da segunda época, em conseqüência da comunicação dos judeus com as nações vizinhas.
As passagens do Velho Testamento que não são escritas em hebraico são as seguintes: Esdras 4:8 a 6:18 e 7:12-26, Jeremias 10:11 e Daniel 2:4 a 7:28. Estas são escritas no dialeto caldaico. Este fenômeno se explica pela residência de Daniel e Esdras na Babilônia e as suas relações com os governadores desses países.

A Língua do Novo Testamento

Os livros do Novo Testamento foram escritos originalmente na língua grega, conhecida como helênica; porque os gregos eram chamados helenos ou o povo de Helas. Depois da grande conquista de Alexandre Magno, rei da Macedônia, filho de Filipe e de Olímpia, a língua grega, numa forma helênica, espalhou-se em toda parte do Egito e do Oriente, e tornou-se a língua vernácula dos hebreus que residiam nas colônias de Alexandria e outras partes.



3CAPÍTULO

OS NOMES DA BÍBLIA


A Palavra de Deus é conhecida por diversos nomes, os quais são derivados da Bíblia mesma e de origens externas. Notemos os nomes externos primeiramente.
O nome Bíblia foi usado pela primeira vez por Crisóstomo no século IV. É derivado de "Biblos", uma palavra grega que significa livros. Este não é um titulo inconveniente, embora "O Livro" - porque é um livro só - seja um titulo mais correto. Lemos "no rolo do Livro" em Salmos 40:7.
O nome Testamento não se encontra como um titulo na Bíblia. É derivado do latim testamentum. Na língua grega esta palavra significa concerto (Hb. 7:22). A mesma palavra é usada em 2 Coríntios 3:6, 14 como Testamento.

Os nomes internos são:

TÉCNICOS

1) A Palavra de Deus (Hb. 4:12)
2) A Escritura de Deus (Êx. 32:16)
3) As Sagradas Letras (2 Tm. 3:15)
4) A Lei (Mt. 12:5)
5) A Escritura da Verdade (Dn. 10:21)
6) As Palavras de Vida (At: 7:38)

FIGURATIVOS

1) Uma Luz: “Uma luz para o meu caminho" (Sl. 119:105). A mente e o coração do homem vivem em trevas, portanto, o homem natural não pode conhecer as coisas de Deus, "porque elas se discernem espiritualmente" (1 Cor. 2:14). Eis a necessidade da luz.
2) Um Espelho: Em Tiago 1:23, a palavra é comparada a um espelho: “Quem ouve a palavra e não a pratica, é semelhante a um homem que mira no espelho o seu rosto”.» Ela nos mostra o que somos.
3) Uma Bacia: "Purificando-a com a lavagem da água pela palavra" (Ef. 5:26). A figura é da pia em que os sacerdotes se lavam antes de entrar no santuário para servirem a Deus. Neste sentido nos mostra como podemos ser limpos de nosso pecado. "Já estais limpos pela palavra" (João 15:3).
4) Uma Porção de Alimento: “As palavras da sua boca prezei mais do que meu alimento (Jó 23:12)”. Sabemos que há diversas qualidades alimentos. A Bíblia trata das qualidades necessárias para os crentes: (1) Leite para as crianças (1 Cor. 3:2); (2) Pão para os famintos (Dt. 8:3); (3) Alimento forte para os homens (Hb. 5:12, 14); (4) Mais doces do que o mel (Sl. 19:10).
5) Ouro fino: "Mais desejáveis são do que o ouro fino" (Sl. 19:10).
6) Fogo: “Não é a minha palavra como o fogo, diz o Senhor...”. (Jr. 23:29).
7) Um martelo: “... e como um martelo que esmiuça a penha?" (Jr. 23:29).
8) Uma Espada: "A espada do Espírito, que é a Palavra de Deus" (Ef. 6:17).

Visto que Deus tem associado à Palavra Viva - Jesus Cristo (Ap. 19:13) - com a Palavra Escrita, nos será proveitoso fazer algumas comparações:

1) Ambas têm existência eterna.
Cristo: "É o mesmo ontem, hoje e para sempre" (Hb. 13:8).
A Bíblia: "Pela Palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre (1 Pe. 1:23).

2) Ambas vieram como os mensageiros de Deus para abençoar um mundo perdido.
Cristo: “Deus... vo-lo enviou para vos abençoar (At. 3:26)”.
A Bíblia: "Bem-aventurados... os que... a observam" (Lc. 11:28).
3) Ambas são infalíveis.
Cristo: "Nele não há pecado (1 João 3:5).
A Bíblia: "Toda a Palavra de Deus é ouro” (Pv. 30:5).

4) Ambas são fontes de vida.
Cristo: "Eu sou o pão da vida (João 6:35).
A Bíblia: “As palavras... são vidas (João 6:36)”.

5) Ambas são luz.
Cristo: "Eu sou a luz do mundo (João 8:12)
A Bíblia: "A lei é uma luz" (Pv. 6:23).

6) Ambas são verdade.
Cristo. “Eu sou a verdade (João 14:6)”.
A Bíblia: "A tua palavra é a verdade" (João 17:17).

7) Ambas são o alimento para a alma. Cristo: "Eu sou o pão da vida (João 6:35)
A Bíblia: "De tudo o que procede da boca do Senhor, disso viverá homem" (Dt. 8:3).

8) Ambas devem ser aceitas para a salvação. Cristo: “Em nenhum outro há salvação (At. 4:12)”.
A Bíblia: “recebei a palavra... a qual pode salvar as vossas almas (Tg 1:21)”.

9) A rejeição de qualquer será perigosa. Cristo: "Se não crerdes que Eu Sou, morre­reis em vossos pecados" (João 8:24).
A Bíblia: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos (Lc. 16:31)”.
10) Ambas são desprezadas e rejeitadas pelo homem natural.
Cristo: “Era desprezado e o mais indigno entre os homens (Is. 53:3)”.
A Bíblia: “Sabeis muito bem rejeitar o mandamento de Deus para manter a vossa tradição" (Mc. 7:9).
11) Ambas julgar-nos-ão, finalmente.
Cristo: “Tem fixado um dia em que há de julgar o mundo com justiça pelo varão que para isto destinou, do que tem dado certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At. 17:31).
A Bíblia: “A palavra que falei, essa o julgará no último dia” (João 12:48).
O estudo dos nomes da Bíblia não está esgo­tado e, para quem nele quiser aprofundar-se, há para isso fontes riquíssimas.



4CAPÍTULO

A AUTORIA DA BÍBLIA


Em uma biblioteca de umas dezenas de li­vros, esperaríamos encontrar obras de diversos escritores. A Bíblia é uma verdadeira biblioteca de 66 livros, divididos em duas prateleiras, i­guais em valor, não obstante uma contenha 39 livros e a outra 27. Chamamos estas prateleiras de Velho Testamento e Novo Testamento. Nesses 66 livros notamos o trabalho de quarenta pessoas de diversas vocações. Ao escrever, cada escritor manifesta o seu próprio estilo e características. O trabalho de todos levou uns 1.600 anos - desde 1500 antes de Jesus Cristo, quando Moisés começou a escrever (Êx. 17:14), entre as trovoadas do Sinai, até 97 a.D., quando o apóstolo João, ele mesmo um filho do trovão (Mc. 3:17), escreveu o seu evangelho na Ásia Menor. Todos os autores escreveram inspirados pelo Espírito Santo. Entretanto, há na Bíblia um só plano, que de fato mostra que havia um só autor divino, guiando os humanos. Isto garante a unidade de revelação e ensino.
É necessário que fiquemos bem esclarecidos a respeito do autor da Bíblia, porque, se ela é da autoria de Deus, será para todo homem; porém, se é dos homens, devemos procurar outro livro melhor. Vamos então examinar as origens da Palavra de Deus. São duas: a humana e a divina, ou, por outra, a natural e a sobrenatural.

1. A Origem Natural

Entre os quarenta homens que foram usados pelo Espírito Santo para escrever as sagradas letras encontramos os nomes de Moisés (Êx. 17:14; 24:3,4, 7; Núm. 33:2; Dt. 28:58, 60). Jesus Cristo mesmo testificou que dele Moisés escreveu (João 5:46). Temos referência às Crônicas de Samuel, Natã e Gade (I Cron. 29:29). Em Provérbios 1:1 e 25:1, temos referência ao autor. E sabemos que Daniel escreveu a sua profecia (Dn. 7:1). No Novo Testamento também alguns livros se referem aos autores; todavia, citaremos somente os de Lucas (Lc. 1:1-8 e At. 1:1).
A vida e o caráter desses homens devem ser estudados para que possamos compreender mais facilmente o teor dos seus escritos. As qualifica­ções de cada autor dão variedade de estilo e matéria, e cada um põe de manifesto a sua própria individualidade no seu escrito.

2. A Origem Sobrenatural

Embora tivesse havido tantos autores humanos, a unidade, simplicidade e singularidade da Bíblia indicam que houve urna só mente atrás de todas, e era a divina. “Toda a escritura é divinamente inspirada" (2 Tm 3:16). É como a construção dum grande prédio, em que muitos operários estão empregados. Cada um sabe bem o seu ofício, porém todos dependem do plano do arquiteto.
Não será fora da verdade dizer que a Bíblia é humano-divina, quer dizer que contém estes dois elementos. Sendo humana, está sujeita às leis de língua e literatura, e, sendo divina, pode ser compreendida somente por homens espirituais. Os autores humanos fornecem variedades de estilo e matéria. O autor divino garante unidade de revelação e ensino. Os autores humanos se referem à Bíblia em partes. O divino refere-se Bíblia como um só livro.


5CAPÍTULO

O PLANO DA BÍBLIA

Como em um edifício se salienta o desenho do arquiteto, assim a Bíblia revela ao leitor o propó­sito divino. Do princípio ao fim há um só plano, e, embora diversos autores humanos tivessem participado da obra, a Bíblia é uma unidade orgânica.
O grande anatomista Cuvier disse que um organismo é governado por três leis: (1) cada uma e todas as partes são essenciais ao todo; (2) cada parte está relacionada e correspondem às demais partes, como no corpo Humano uma mão corresponde à outra mão, um olho ao outro, etc; (3) todas as partes do organismo devem ser cheias do espírito de vida.
Segundo esta definição, a Bíblia não deixa de ser um organismo perfeito. Tem um só plano, que mostra que todas as partes pertencem e contribuem para a beleza e perfeição do todo e estão cheias do espírito de vida: “O Espírito é que vivifica... as palavras que vos digo são espírito e vida” (João 6:63). Manifesto é que em tal perfeição não há necessidade nem lugar para acréscimo.

O Velho e o Novo Testamento


Há pouco tempo um crente emprestou um Novo Testamento a um amigo para ler. Quando foi saber da leitura, o amigo disse: quero o princípio deste livro".
O Novo Testamento está tão entrelaçado com o Velho Testamento e vice-versa que se tornam inseparáveis. Há 1.040 citações de referências ao Velho no Novo. Cada escritor no Novo se refere ao Velho. Todos, menos sete escritores do Velho Testamento; são citados ou deles há referência no Novo. Estes sete são: Obadias, Naum, Esdras, Neemias, Ester, Cânticos e Eclesiastes. Em Ma­teus há só dois capítulos que não fazem referên­cia ao Velho Testamento. Também faltam refe­rências em dois de Marcos. Em Lucas existe um, e em João há cinco que não fazem referência ao Velho Testamento. Em todo o Novo Testamento há somente 26 capítulos que não se referem ao Velho Testamento.
A Bíblia começa com Deus: "No princípio criou Deus” (Gn. 1:1) e termina com o homem “Todos vós” (Ap. 22:21). Assim, Deus está numa extremidade e o homem na outra. Na Bíblia, temos a mensagem de Deus ao homem para que este volte ao seu Criador. No verso central o homem e Deus são mencionados: “É melhor confiar no Senhor, do que confiar no homem” (Sl. 118:8). Este versículo tem em miniatura tudo quanto a Bíblia ensina. Tem o elo da fé que liga o homem a Deus, porque "sem fé é impossível agradar a Deus" (Hb. 11:6). Também tem um aviso contra a raiz de todo o mal, porque "os que estão na carne não podem agra­dar a Deus" (Rm. 8:8) É a confiança na carne que nos separa de Deus: "Maldito o homem que confia no homem, e põe a carne por seu braço e cujo coração se aparta do Senhor" (Jr. 17:5).
Nota-se na Bíblia o método de Deus para com o homem. De Adão ao Dilúvio temos a história da raça humana debaixo da lei da consciência. Do Dilúvio em diante, através do Velho Testa­mento, trata-se da história do povo escolhido, destacando personagens como Abraão, Moisés e Davi. O homem está debaixo da lei dada no Sinai. A dispensação da Graça começou com Cristo.
No Éden a lei moral foi quebrada pelo primeiro Adão. A descendência dele violou o decálogo, mas o último Adão - Jesus Cristo ­- triunfou e se tornou o fim da lei, para justiça de todo àquele que crê (Rm. 10:4).
O plano da Bíblia manifesta-se ainda na comparação entre o princípio e o fim. O primeiro escritor - Moisés - escreveu a sua parte 1.600 anos antes de João concluir os seus escritos. No entanto, os autores humanos representam todas as camadas da sociedade, e não tinham relações uns com os outros. Pela seguinte comparação, se vê a perfeição do plano:
No Princípio

Deus criou os céus e a terra.
Satanás entrou para enganar.
O homem afastou-se de Deus.
Pecado, dor, tristeza e morte.
A terra amaldiçoada.
A árvore da vida - homem expulso.
O homem escondido de Deus.
Paraíso perdido.
A terra destruída por água.

No Fim

Novos céus e nova terra.
Satanás lançado fora, para não enganar mais.
Deus buscando o homem na pessoa de Cristo.
Não há mais morte, nem tristeza, nem dor.
Não há mais maldição.
A árvore da vida - homem privi­legiado.
Deus habitando entre os homens.
Paraíso recuperado.
A terra será destruída por fogo.

Cristo É o Tema


O Velho Testamento teria perdido o seu valor, se Cristo não tivesse chegado, e sem Ele não haveria necessidade do Novo Testamento. A linha escarlata do sangue redentor encontra-se em toda parte das Sagradas Escrituras. Portan­to, Jesus tinha razão quando disse: "Examinai as Escrituras, porque são elas que de mim testificam" (João 5:39). Por elas sabemos que "convinha que o Cristo padecesse a morte e entrasse na sua glória" (Lc. 24:26). E, quando o temos como a chave da revelação, arde em nós o nosso coração enquanto o Espírito Santo nos abre as Escrituras. Por meio de tipos, ele é anunciado, e a respeito dele dão testemunho todos os profetas. No Velho Testamento ele é o Messias, e o Novo o revela como Salvador. Ele é a semente prometida (Gn. 3:15) para esmagar a cabeça da semente da serpente: "Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei" (Gl. 4:4). Ele é a semente de Abraão: "Em tua semente serão benditas todas as nações da terra" foi a promessa dada ao “amigo de Deus”, e em Gálatas 3:16 temos o cumprimento: "Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade, e a sua posteridade é Cristo". Ele é a semente de Davi, para reinar para sempre: "Sendo, pois, ele – Davi - profe­ta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para assentar sobre o seu trono; prevendo isto, falou da ressurreição de Cristo" (At: 2:30, 31).
Cada oferta e sacrifico no Velho Testamento aponta para Cristo. Em Gênesis temos o sacrifício pelo indivíduo: "Abraão tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar de seu filho" (Gn 22:13). Cristo é o substituto do pecador. Em Êxodo temos o sacrifício pela família na instituição da Páscoa: "Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo, tu e a tua casa" (Êx. 13:3). Quantas famílias já não têm experimentado esta verdade! Em Levítico 4:13-15 temos o sacrifício pela nação, e Cristo veio primeiramente para redimir a Israel. O sumo sacerdote Caifás deu testemunho neste sentido, dizendo: "Aos judeus convinha que um homem morresse pelo povo" (João 18:14). Em João temos a maior revelação: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (João 3:16)”.
Lemos de três arcas nas Sagradas Letras, e cada uma tipifica Cristo: (1) A Arca de Noé, na qual foi preservada a família eleita. Em Cristo há segurança contra a ira de Deus, pois: "Sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira (Rm. 5:9). (2) A Arca dos juncos, em que foi salvo Moisés contra a ira de Faraó: "Agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm. 8:1). (3) A Arca da Aliança, que continha a lei: "Por Cristo a lei de Deus está dentro de nosso coração" (Sl. 40:8).
Nas três festas principais da ordem Levítica temos verdades preciosas: (1) A Festa dos Tabernáculos (Lv. 23:34) tem referência à associação de Deus, o Pai, com o seu povo. Ele habitou no meio de Israel e por isso ordenou a Moisés que fizesse o Tabernáculo: "Far-me-ão um santuário e habitarei no meio deles" (Êx. 25:8). Foi um antegozo do tempo ainda mais abençoado quando: "Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, e com eles habitarei, e eles serão o meu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus" (Ap. 21:3). (2) O propósito da Festa da Páscoa foi a comemoração da redenção de Israel pelo sangue e está associada com Deus, o Filho, que é nossa Páscoa, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue para demonstração da sua justiça" (Rm. 3:26). "Cris­to, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós (1 Cor: 5:7). (3) A festa de Pentecoste é chamada pelos judeus a Festa das Semanas e a Festa das Primícias (Êx. 34:22), porque foi celebrada sete semanas ou cinqüenta dias depois da Páscoa. Não há dúvida de que esta representa Deus, o Espírito Santo (At. 2:1-4).
Mais notável ainda é a ordem pela qual estas festas foram comemoradas. Primeiramente foi a Páscoa, quando tudo devia ser feito de novo. "Este mesmo mês vos será o princípio dos meses. Este vos será o primeiro dos meses do ano" (Êx. 12:2). Foi um novo princípio na vida do povo. Da mesma forma experimenta aquele que aceita Cristo, a nossa Páscoa, porque: "Se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo está feito novo” (2 Cor. 5:17). A segunda, em ordem, foi a Festa de Pentecoste, que tipificava a descida do Espírito Santo, que se verificou depois da morte de Cristo. É pelo Espírito Santo que somos renova­dos (Tito 3:5), mas esta obra espiritual é impos­sível até aceitarmos Cristo como Salvador. De­pois disto "o mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" (Rm. 8:16). A última festa foi a dos Tabernáculos, quando as primícias eram apresentadas a Deus. Nisto Deus, o Pai, tem a preeminência. "Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem" (1 Cor. 15:20). "Assim tam­bém todos serão vivificados em Cristo” (1 Cor. 15:22), para a glória de Deus. Esta ordem das festas concorda perfeitamente com a obra divina na salvação do pecador, como está apresentada nas três parábolas em Lucas 15. Na figura do pastor, buscando a ovelha perdida, temos Cristo, que disse: "Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas" (João 10:11). O Espírito Santo, na sua obra de procurar os perdidos, é tipificado na mulher que, com a candeia acesa, busca a dracma perdida. O pai amoro­so, recebendo o filho pródigo, é um tipo de Deus que não quer que alguém se perca, mas, sim, que todos venham ao arrependimento. Esta é a ordem pela qual o homem chega a Deus. Cristo é o caminho; o Espírito convence o homem do pecado, da justiça e do juízo; o Pai perdoa-o.

O Plano Satânico Descoberto


A Bíblia só trata das coisas concernentes à salvação do homem, e não traça a história dos povos, nem pretende ser um compêndio de ciências. O homem natural acha nela dificuldade, porque deseja ocupar-se com muita coisa irrelevante à revelação.
Uma das perguntas mais comuns é: "Donde veio a mulher de Caim?" A Bíblia não se ocupa com pormenores, quando o seu propósito não tem importância. Nem Caim nem a sua mulher tiveram parte importante no plano de Deus depois da morte de Abel. Deus deu a Eva um outro filho, que tomou o lugar de Abel e que teve por nome Sete. A descendência dele começou a invocar o nome do Senhor (Gn. 4:25, 26). A narração bíblica acompanha a descendência de Sete pela linhagem de Noé, mencionando apenas Sem e Abraão, o "Pai dos Fiéis", em quem todas as nações são benditas (Gl. 3:8). Assim por diante, são mencionadas as pessoas e nações que entraram no plano da salvação da raça humana.
O plano da salvação começou na eternidade e terminará na eternidade. Jesus Cristo foi crucifi­cado antes da fundação do mundo (1 Pe. 1:19, 20). O arquiinimigo da alma humana perdeu o seu primeiro estado diante de Deus por causa do seu orgulho (Is. 14:13, 14) e, desde a sua queda tem feito guerra contra o plano divino. Sem compreender este fato, a Bíblia permanecerá um livro desconhecido, embora se faça a sua leitura diariamente. O ensino dispensacional é o meio melhor pelo qual se interpreta a Bíblia. A obra propiciatória de Cristo é revelada por meio de tipos em todas as dispensações e não menos se salientam os esforços maléficos de Satanás para frustrar a obra gloriosa de Deus.
O casal no Éden caiu porque Satanás o enganou; porém, imediatamente, Deus lhe fez túnica de pele para encobrir a sua vergonha, apontando, assim, para o sacrifício de Cristo e a vestidura da sua justiça, que nos é oferecido mediante a fé. Expulsos do Paraíso, da presença de Deus, os primitivos pais da Humanidade receberam a promessa confortadora de um redentor: "Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente: esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn. 3:15). "Deus atentou para Abel e para sua ofer­ta" (Gn. 4:4) porque foi de sangue. Logo o inimigo se manifestou em Caim e tentou acabar com o plano divino por matar o verdadeiro adorador - Abel. Morto Abel, outro filho foi dado a Adão, "e chamou o seu nome Sete; porque Deus deu outra semente em lugar de Abel (Gn. 4:25). A descendência de Sete come­çou a invocar o nome do Senhor. De novo o maligno ativou-se e conseguiu que a maldade do homem se multiplicasse sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração fosse má continuamente (Gn. 6:5). Depois do dilúvio, o Senhor fez com que, por Sem, o seu plano continuasse. Entretanto, Satanás tentou que todo o mundo fosse um só povo, com um só nome e de uma só língua (Gn. 11:3, 4, 6).
Salientam-se diversos tipos de Cristo na dispensação da promessa, por exemplo: Melquise­deque, Abraão, Isaque, Judá, José, etc. Basta-­nos o sacrifício de Isaque para saber que Deus proveu um substituto para a humanidade que: “Propôs para propiciação pela fé no seu sangue (Rm. 3:25). A promessa de que “o cetro não se arredaria de Judá, nem o bastão de dentre seus pés, até que viesse Siló, e a ele obedeceriam os povos” (Gn. 49:10) apontava para Cristo, que procedeu de Judá (Hb. 7:14), e se chama “Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Da grandeza deste principado e da paz não haverá fim, sobre o trono de Davi e no seu reino, para o firmar e o fortificar com juízo e com justiça, desde agora para sempre" (Is. 9:6, 7). Através desta dispen­sação a astúcia satânica é bem patente. Por ela Abraão mentiu, os irmãos de José o venderam e os escolhidos de Deus foram maltratados no Egito.
O grande livramento pela Páscoa é um tipo de nossa liberdade, mediante a fé no sangue de Jesus, "porque Cristo, nossa páscoa, foi crucifi­cado por nós" (1 Cor. 5:7). Libertado da escravidão, o povo de Deus entrou em uma fase de experiência. A peregrinação no deserto foi uma escola preparatória para a futura organização de Israel. O inimigo não se poupou para frustrar o plano de Jeová. As murmurações, as saudades da terra do Egito, o bezerro de ouro, o incenso falso de Nadabe e Abiú, o esforço feito para tirar a Davi a sua vida e o cativeiro babilônico são evidências da astúcia do príncipe deste mundo. Porém neste período encontramos evidências do plano de Deus na Lei, nas Festas, no Tabernácu­lo, na lição da Serpente de Bronze, na Aliança feita a Davi (2 Sm. 7:16) pelos profetas, e na misericórdia manifestada na vida de Daniel, Zorobabel, Esdras e Neemias.
Nesta conexão notamos três ocasiões durante o período dos reis, quando Satanás quase venceu o seu propósito, porque restava uma só pessoa na linhagem messiânica. O rei Jeorão exterminou toda a semente real, e por sua vez perdeu o reinado por causa do pecado. O seu filho Acazias foi morto por Jeú porque disseram: "É filho de Josafá, que buscou ao Senhor de todo o seu coração. E já não tinha a casa de Acazias ninguém que fosse capaz de reinar" (2 Cr. 22:9). Satanás apoderou-se de Atalia, mãe de Aca­zias, que destruiu toda a semente real da casa de Judá. A vitória satânica parecia completa. Não havia mais descendente de Davi para assentar no seu trono. Porém Deus providencia sem­pre. Enquanto Atalia massacrava os seus netos, Jeosabeate, filha do rei Jeorão, tomou a Joás, filho de Acazias, e o escondeu de diante de Atalia, e esteve escondido na casa de Deus seis anos (2 Cr. 21:10, 12). Passado algum tempo, o sacerdote Joiada apresentou o menino Joás ao povo e disse: "Eis que o filho do rei reinará, como o Senhor falou a respeito dos filhos de Davi" (2 Cr. 23:3).
A linhagem de Davi ficou estabelecida até o tempo do rei Ezequias, quando sofreu mais uma ameaça de ser exterminada. Este rei adoeceu de uma enfermidade mortal, sem ter filho. Com certeza, o inimigo se regozijava em pensar que, finalmente, a vitória estava certa. Porém, o seu sonho teve de evaporar-se. Ezequias arrepen­deu-se de seu pecado, e a sua vida fora prolon­gada por mais quinze anos. Três anos depois de estar restabelecido, gerou o seu filho Manassés, por meio de quem a linhagem do Messias conti­nuou.
Que diremos da história de Ester? O livro que conta as experiências desta rainha heróica não faz menção de Jeová diretamente; porém narra a providência de Deus na preservação do seu povo. Hamã foi um instrumento na mão satânica para exterminar o povo de Israel e assim frustrar o plano divino. Quando parecia que Hamã triunfava, Ester, sob o domínio divino, conseguiu a salvação do seu povo e o fim do perseguidor. Não há a menor dúvida de que nesta ocasião o diabo pensou que ia vencer; porém, não tinha Deus anteriormente determi­nado o que se havia de fazer?
Depois de quatro séculos de silêncio bíblico, encontramos Satanás promovendo mais uma matança por meio do decreto de Herodes. A sua única esperança estava em destruir a semente da mulher, que veio esmagar a sua cabeça, portan­to, planejou pôr fim ao Menino na manjedoura.
Frustrado o seu propósito, ele foi mais uma vez exposto e vencido pelo Filho do Homem no deserto. Nesta luta involuntária dele, ficou para sempre revelada a sua derrota. Nunca mais teve coragem para enfrentar Cristo; não obstante, ficou ativo durante todo o ministério. Ele atacava covardemente por detrás, assim como sem­pre faz com os crentes. Repare como ele se utilizou de Pedro quando este tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo. Disse-lhe o Mestre: "Retira-te de diante de mim, Satanás" (Mc. 8:33). Numa noite de paz, o Mestre embarcou num barco com os seus discípulos. Cansado, pela fadiga de muito trabalho, ele dormia, e o inimigo causou "uma tempestade tão grande que o barco era coberto de ondas". Todas as suas ciladas anteriores tinham falhado; portanto, de novo tenta destruir a semente real que veio salvar a humanidade e proclamar na hora da sua morte: "Está consumado".
Ainda no Getsêmani o adversário perdeu na luta. E, quando o cúmulo do pecado manifes­tou-se à cruz, a vitória foi de Cristo, porque "provou a morte por todos", "e pela morte aniquilou o que tinha o poder da morte, isto é, o diabo" (Hb. 2:9, 14), "tragada foi a morte pela vitória" (1 Co. 15:54).
Nesta dispensação da Graça, o príncipe deste mundo, embora com poder limitado, continua ativo. Por duas vezes tentou destruir a igreja em Jerusalém. Logo que todos os membros contribuíram liberalmente, ele entrou no coração de Ananias e Safira, para enganarem (At. 5:1­1). Mais tarde, os discípulos, contentes com o progresso do trabalho em Jerusalém, esquece­ram-se da ordem do Senhor: "Ser-me-eis teste­munhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra" (At. 1:8). Satanás, não podendo atrasar a Causa do Mestre por outra forma, está sempre pronto a persuadir que muita atividade na evangelização é desnecessária.
Através dos séculos a luta entre Deus e Satanás tem continuado. O plano divino está sendo aperfeiçoado, e o próprio Satanás, que se trans­figurou em anjo de luz (2 Cor. 11:14), está procurando, com as suas astutas ciladas, inter­rompê-lo. Louvado seja o nome de Deus que vem o dia quando o diabo será lançado no lago de fogo e enxofre, e de dia e de noite será atormen­tado para todo o sempre" (Ap. 20:10). "Depois virá o fim, quando (Cristo) tiver entregado o reino a Deus, o Pai, e quando houver aniquila­do todo o império, e toda a potestade e força” (1 Cor. 15:24).

As Trindades da Bíblia

A idéia de uma trindade também é proeminente na Bíblia. Sobressaem a Santa Trindade e uma trindade de males. O homem mesmo é uma trindade. Pois ele não é "espírito e alma e corpo?” (1 Tes. 5:23). Desde o princípio o homem tem sido assaltado por uma trindade de males, que são: o mundo, a carne e o diabo. A carne mesma constitui-se uma trindade de inimigos. Há a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (1 João 2:16).
Esta trindade, que constituiu a tentação tri­plicada dos nossos primeiros pais no Éden, quando caíram e arruinaram a raça, foi a mesma que o último Adão - Cristo - enfrentou no deserto, quando venceu e remiu a raça. Também é a nossa tentação continua. No Éden a mulher viu que:

1) “A árvore era boa para se comer”  concupiscência da carne.
2) “A árvore era agradável aos olhos”  concupiscência dos olhos.
3) “A árvore era desejável para dar entendimento"  soberba da vida (Gn. 3:6)

No deserto o tentador disse a Jesus:

1) “Dize a esta pedra que se transforme em pão" - concupiscência da carne.
2) “Mostrou-lhe os reinos do mundo" - concupiscência dos olhos.
3) “Lança-te... que te guardem” - soberba da vida (Lc. 4:1-10).

No Éden houve derrota porque Adão e Eva duvidaram da palavra de Deus. Disse a serpente à mulher: "Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal... E a mulher tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu” (Gn. 3:4, 5, 6). No deserto Cristo triunfou porque confiou na pala­vra de Deus. A sua réplica foi sempre: "Está escrito".
A Bíblia nos ensina que há três personalidades das quais se originam estes três princípios do mal e que são incorporados ao Diabo, a besta e o falso profeta (Ap. 20:10), cuja destruição é predita. Contra esta trindade temos outra, da qual todo o bem vem. É o Pai, o Filho e o Espírito Santo (2 Cor. 13:13).
As três pessoas da Santa Trindade, embora a Bíblia no princípio nelas falasse, eram reveladas progressivamente em sua plenitude do homem. No Velho Testamento temos a revelação de Deus, o Pai. Isto remove a nossa incredulidade. Nos Evangelhos temos a revelação de Deus, o Filho, que tira o pecado do mundo. Nos Atos dos Apóstolos temos a revelação de Deus, o Espírito Santo. Isto amolece o coração. Nas epístolas temos a plena revelação da Santa Trindade em palavras conhecidas por todos os crentes: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo seja com todos vós" (2 Cor. 13:13). Isto consola a todos.


6CAPÍTULO

MANUSCRITOS


Fala-se em "manuscritos originais", quando, de fato, entre todas as sagradas escrituras não existe original algum, nem do Velho nem do' Novo Testamento. Quando uns se tornaram velhos, foram copiados, e os originais enterrados ou queimados pelos próprios amigos da Palavra de Deus. Outros foram destruídos pelos inimigos durante as guerras e perseguições que o antigo povo de Deus sofria de tempos em tempos.
Mesmo quando o Novo Testamento foi escrito, parece que os documentos originais do Velho Testamento não existiam mais. Conseqüente, quando a Bíblia completa foi compilada pela primeira vez, consistiu em cópias hebraicas do Velho Testamento - junto com uma tradu­ção grega conhecida por Septuaginta, que signi­fica setenta, porque foi feita por setenta homens.
Na perda dos manuscritos originais, podemos ver a providência de Deus, porque, se fossem existentes hoje em dia documentos originais da letra de Moisés, Davi, Isaías, Daniel, Paulo ou João, o coração humano é tão suscetível à superstição, que seriam eles adorados, como foi a serpente de bronze nos dias de Ezequias (2 Reis 18:4), anulando assim o seu propósito.
A falta dos originais não nos deve assustar, porque há milhares de manuscritos gregos e hebraicos copiados dos originais, espalhados pe­lo mundo. Estes manuscritos datam desde a primeira metade do segundo século, data dos papiros mais antigos, e do quarto século para os unciais, escritos em letra maiúscula sobre per­gaminho (pele de cabrito especialmente prepa­rada). Quando as primeiras Bíblias foram im­pressas havia mais de 2.000 destes manuscritos. Hoje, existem muitos milhares. Este número é suficiente para estabelecer a genuinidade e a autenticidade da Bíblia.
A existência dum livro antigo pode ser pro­vada por muitas maneiras fora do original. Por exemplo, nas referências a ele, as suas citações, as paráfrases, as narrações dele, os catálogos em que o livro esteja mencionado, as suas traduções e versões; os argumentos contra o seu ensino e as cópias existentes provam que tal livro existia. Podemos verificar a idade dum manuscrito: 1) pela forma da letra em que está escrito; 2) pela maneira que as letras estão ligadas umas com as outras; e 3) pela simplicidade ou ornamentação das letras iniciais. Há ainda outro método, cha­mado Criticismo Textual, que procura estabele­cer a idade de genuinidade dos manuscritos em relação às versões e às obras dos anciãos das igrejas cristãs durante os primeiros séculos, pois estes citaram muitos textos das Escrituras.
Os mais antigos manuscritos gregos são escritos em letras maiúsculas e quadradas, e todas as palavras em cada linha estão ligadas para poupar espaço. Achamos um exemplo desta liga­ção de palavras no versículo 11, do capítulo 53 de Isaías, na edição Almeida de 1913 e 1916:

                               “Porque a suas iniquidades levará sobre si”.

Às vezes, quando o copiador julgou que na linha não cabiam todas as letras grandes, começou a diminuí-las assim: PORQUE Deus Amou. Estes manuscritos são chamados Unciais.
Os três mais velhos destes, pela providência de Deus, se acham aos cuidados de três ramos do cristianismo: o grego, o romano e o protestante. Um, o Sinaítico (conhecido como o Códex Alfa), está na biblioteca em Leninegrado  como possessão da Igreja Católica Grega. Outro, o Vaticano (conhecido como o Códex B), pertence à Igreja Católica Romana, e se acha atualmente na biblioteca do Vaticano, em Roma. O outro, o Alexandrino (conhecido como o Códex A), está no Museu Britânico, em Londres. A história destes manuscritos é muito interessante.

O Manuscrito Vaticano


Está escrito na língua grega e data do século IV. É o mais antigo conhecido no mundo. Por mais de 1.500 anos este manuscrito tem estado no mundo e é uma prova inegável de que, se a nossa Bíblia fosse uma invenção humana, teria sido falsi­ficada antes do século IV, quando este manuscrito foi produzido. É uma obra de 4 volumes, com 700 páginas, e está escrita em três colunas na página, e contém quase a Bíblia inteira. Os livros são arranjados na seguinte ordem: Gênesis a 2 Crônicas; Esdras I e II; Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares de Salomão, Jó, Sabedoria, Siraque, Ester, Judite, Tobias; os doze profetas: Isaías, Jeremias, Baruque, Lamentações, Epísto­la de Jeremias, Ezequiel, Daniel; os Evangelhos; Atos, Epístolas Católicas, Romanos I e II Corín­tios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses e Hebreus.
Dos livros da Bíblia que agora temos, falta­ram a este manuscrito os de I e II Timóteo, Tito, Filemom e o Apocalipse. O cristianismo estava privado do conhecimento da forma da letra deste manuscrito até que o Papa Pio IX mandou tirar alguns fac-símiles.

O Manuscrito Sinaítico


Está em forma dum livro e cada página contém quatro colunas, exceto os livros poéticos do Velho Testamento, os quais têm somente duas. Não podemos deixar de contar por extenso a história do seu descobrimento. O Doutor Tischendorf, sábio alemão, muito famoso pela sua devo­ção à procura e ao estudo de manuscritos antigos da Bíblia, visitou o Convento de Santa Catarina, perto do monte Sinai, em 1844, quando descobriu este valioso documento. Todos que amam a Bíblia são devedores a ele por este grande descobrimento.
No corredor do convento estava uma cesta cheia de folhas de pergaminho, prontas para serem atiradas ao fogo, e ele foi informado de que mais duas cestas já tinham sido queimadas. Ao examinar o conteúdo da cesta ficou surpreendido em encontrar folhas de pergaminho do Velho Testamento em grego, as mais velhas que ele tinha visto. Não pôde ocultar a sua alegria foi-lhe permitido levar umas 43 folhas, mais ou menos. Ainda que as folhas fossem destinadas ao fogo, a sua alegria levantou suspeitas nos frades, e eles julgaram que, talvez, os manuscritos fos­sem mui valiosos e não consentiram que levasse mais. O Doutor Tischendorf depositou a porção das folhas na biblioteca real, em Leipzig, e deu-lhe o nome de "Códex Frederico Augustus", em reconhecimento do patrocínio do rei da Saxônia.
No ano de 1859 voltou mais uma vez ao convento, mas desta vez com uma comissão do imperador da Rússia. A sua visita estava a concluir-se sem resultado, quando, na véspera da sua partida, passeando na chácara com o despenseiro do convento, este o convidou a to­mar uma refeição na sua cela. Enquanto estavam conversando, o frade puxou um embrulho enro­lado em pano vermelho, que continha não so­mente alguns fragmentos vistos na primeira visi­ta, mas ainda outras partes do Velho Testamento e o Novo Testamento completo, junto com al­guns outros escritos.
Mais tarde, por influência do imperador, o manuscrito foi obtido do convento e levado à biblioteca imperial em Leningrado, e tornou-se o mais precioso tesouro da Igreja Grega.

O Manuscrito Alexandrino


Assim foi chamado porque fez parte da bi­blioteca em Alexandria. Foi também escrito em grego e data do século IV. É composto de quatro volumes e têm duas colunas em cada página. Foi ofertado por Cyrilo Lucar, patriarca de Constan­tinopla, ao rei Charles I da Inglaterra em 1628. E acha-se atualmente no Museu Britânico, em Londres.
Contém a Bíblia inteira, exceto os seguintes trechos: Gênesis 14:14 a 17; 15:1 a 5, 16 a 19; 16:6 a 9; 1 Reis 12:18 a 14:9; Salmos 49:20 a 70:11; Mateus 1:1 a 25:6; João 6:50 a 8:52; 2 Coríntios 4:13 a 12:7.

O Códex de Efraim


Há mais um manuscrito de importância que merece menção. É o do século V, e é conhecido como o Códex de Efraim. Está na biblioteca de Paris. É descrito como o "códex rescrito", porque tem evidências de ter sido escrito duas vezes, uma por cima da outra. O escrito original foi apagado para receber uma tradução grega ou algumas palavras de Efraim, o Sírio. No ano de 1453 passou para D. Catarina de Médicis, e por sua morte ficou como propriedade da Biblioteca Real Francesa. Naquele tempo o seu valor não era conhecido. Em 1734, o manuscrito foi submetido, com bom êxito, a um tratamento químico para intensificar as letras antigas. Este manuscrito contém porções do Velho Testamento e fragmen­tos de cada livro do Novo Testamento.


7CAPÍTULO

AS TRADUÇÕES DA BÍBLIA


Quando falamos em manuscritos, referimos-­nos às cópias nas línguas originais e em tradu­ções, as cópias nas línguas vernáculas em que a Bíblia é traduzida. As traduções são necessárias, por três razões: 1) Nem todos os povos falam a mesma língua; 2) as línguas estão sempre se modificando; 3) a Palavra de Deus tem sido espalhada em muitos países, de modo que, para melhor propaganda, é necessário tê-la na língua própria do povo. Entretanto, compete-nos lembrar que as traduções não são inspiradas por Deus; porém servem como um testemunho da existência e autenticidade dos originais. Se não pudermos ler as palavras exatas pelas traduções, ao menos teremos o sentido sem conflito qual­quer de doutrina.
Estamos agora mais interessados nas versões em português, mas será necessário estudarmos os diversos períodos em que a Bíblia passo­u antes de chegar a ser conhecida na bela língua lusitana.

A LXX

A mais antiga versão que existe é a Septua­ginta. Esta é uma tradução livre, desviando-se, em muitos lugares, da original hebraica. Foi feita em 285 antes de Cristo, provavelmente para os judeus que foram espalhados por todas as nações, uns 160 anos depois da volta de Neemias do cativeiro. Há muitas lendas acerca desta tradução: todavia, podemos dizer que foi a obra de setenta redatores em Alexandria. Sendo em grego, provavelmente, existia nos tempos de Jesus Cristo, mas não há evidência alguma de que ele ou os seus discípulos a usassem. Pelo contrário, é mais provável que Jesus falasse aramaico, salvo quando falou à mulher siro-fení­cia (Mc. 7:26) em grego; a fim de que ela o compreendesse. As palavras nos Evangelhos, que vêm a nós sem serem traduzidas são aramaicas: "Talita Cumi" (Mc. 5:41); "Eloí; Eloí, lamá­sabactani" (Mc. 15:34). A Septuaginta tornou­-se a base de muitas traduções.
As outras traduções na língua grega que merecem menção são as seguintes: A versão de Áqüila, um homem natural de Sinope, em Pon­tus, que se converteu do paganismo ao judaísmo. No século II ele procurou fazer uma tradução literal do texto hebraico. A versão de Teodotion, de Éfeso. Ele reviu a Septuaginta e a versão de Synmachus de Samaria.
Tendo mencionado o manuscrito de Efraim no capítulo anterior, não podemos deixar de mencionar uma versão Siríaca, chamada o Peshito, que foi completa no século II, provavelmente antes de 150. Foi preparada para provas do seu uso entre os seus patrícios.
No segundo século, o latim suplantou o grego e ficou sendo por muitos anos a língua diplomática da Europa. Ao longo da costa setentrional da África organizaram-se umas igrejas compostas de pessoas de língua latina. Para essas, foi preparada uma versão latina. A sua história e origem são desconhecidas. O Velho Testamento foi vertido da Septuaginta, e ao Novo Testamento faltavam os seguintes livros: Hebreus, Tiago e 2 Pedro. Tertuliano e os seus contemporâneos usaram-na livremente. Esta tradução foi a base da Vulgata, a qual se tornou a Bíblia autorizada da Igreja Católica Romana.
Notar-se-á, pela comparação destas versões antigas, que existiam todos os livros do Novo Testamento, menos o de 2 Pedro, no século II.

A Vulgata


No ano 383, São Jerônimo era um dos mais sábios do seu tempo, sendo secretário de Dama­sus, Bispo de Roma; este o convidou para corri­gir e melhorar a Bíblia latina, então em uso nas igrejas do leste. Aquele sábio completou a revisão do Novo Testamento. Depois da morte de Damasus, Jerônimo mudou-se para Belém, onde fundou um mosteiro. Aí, no 80° ano de sua vida, começou uma nova tradução do Velho Testamento, do hebraico para o latim. Esta é conheci­da como a Vulgata, incluindo a apócrifa, e ficou sendo a base de todas as traduções por mais de 1.000 anos. No Concílio de Trento (1545-1547) foi proclamada autêntica, e um anátema foi pronunciado sobre qualquer pessoa que afirmasse que qualquer livro que nela se achava não fosse totalmente inspirado no todo ou em parte. Concordando com a decisão do Concílio em ter uma edição autorizada e uniforme, Sixtus V publicou um texto em 1590. Porém os seguintes livros apócrifos foram omitidos: 3° a 4° Esdras; 3° Macabeus e a oração de Manassés, e estava tão corrompida por erros tipográficos e outros, que Clemente VII sentiu a necessidade de retirá-la da circulação e publicar uma edição melhor em 1592. Esta tem sido a Bíblia seguida pelos católicos romanos em todas as suas traduções. A Bíblia Douai e o Novo Testamento publicado Reims foram traduzidos da Vulgata.

A Renascença


Depois de longos anos de eclipse intelectual, o mundo experimentou uma renascença que se estendeu por toda parte na Europa. Os estreitos limites geográficos desapareceram pelo descobrimento de novas terras, e este contato repenti­no com novos povos, novas crenças e novas raças revivificou a inteligência sonolenta. Quando a cidade de Constantinopla caiu nas mãos dos turcos em 1453, os gregos eruditos fugiram para as bandas da Itália, levando as suas ciências e letras.
Escolas foram estabelecidas, e o povo italiano interessou-se mais nos manuscritos do Oriente do que na sua própria arte de estatuária. Com a vinda da língua grega para a Europa, um despertamento verdadeiro apoderou-se dos centros educacionais, e estudantes de toda parte procuraram os mestres da língua antiga. E, antes do fim do século XV, pelo desenvolvimento da imprensa, todos os autores latinos tornavam-se acessíveis e todas as obras gregas foram publicadas antes de 1520. Consequentemente, novas visitas intelectuais se apresentaram e o mundo experimentou verdadei-ramente um novo nascimento.
Durante mil anos a Vulgata teve a aceitação universal da Igreja, e a Teologia tornou-se tradi­cional; porém esta nova época forneceu a chave para dar origem aos Evangelhos e o Novo Tes­tamento. A teologia mística da Idade Média foi suplantada pela nova ênfase dada à pessoa de Cristo como se encontra nos Evangelhos. O Novo Testamento em grego, pelo erudito Erasmo, em 1516, desafiou as tradições e pôs de lado a Vulgata. Erasmo tinha um desejo ardente de deixar a Bíblia clara e inteligível a todos. Disse ele: "Quero que mesmo a mulher mais fraca leia os Evangelhos e as epístolas de Paulo. Queria-os traduzidos em todas as línguas, para que fossem lidos e compreendidos por todos, mesmo pelos sarracenos e turcos. Porém o primeiro passo necessário é fazê-los inteligíveis ao leitor. Eu almejo o dia quando o lavrador recite para si mesmo porções das Escrituras enquanto vai a­companhando o arado, quando o tecelão as balbucie ao ritmo da sua lançadeira e o viajante repare o cansaço da sua viagem com os seus contos". Esta era uma profecia verdadeira, a qual está sendo cumprida em nossos dias.
Nesta época foi publicado um livro (*) em que o autor previu que no futuro a religião verdadeira teria o seu centro na própria família, assim como o grande princípio de tolerância religiosa, e também que essa religião fosse divul­gada por polêmica e apologética, e não por violência nem insulto as religiões alheias.
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(*) Utopia, por Sir Thomas More.

Com o novo impulso intelectual, a tradução da Bíblia na língua vernácula tomou novo aspec­to. Os sábios e os iletrados, os ricos e os pobres, os reis e os plebeus, os eclesiásticos e os leigos, todos ajudaram neste glorioso trabalho. Outro tanto pode ser dito do impedimento que todas essas classes impuseram a esta obra de fama. Não podemos, nestes estudos limitados, tratar minuciosamente de todas as importantes tradu­ções, ainda que gostaríamos de apresentar vários fatos históricos concernentes a algumas delas que têm influenciado no desenvolvimento do cristianismo. Lembrar-nos-emos que a nossa in­cumbência é a Bíblia na bela língua portuguesa. Entretanto, não podemos passar sem mencionar apenas algumas traduções notáveis. Devido às perseguições que obrigaram os reformadores a fugir dum país para outro, é dificílimo acertar em que parte do continente a renascença teve a maior influência. Em toda parte rompeu a Reforma, e o Novo Testamento de Erasmo serviu como base de muitas tradu­ções. Na Inglaterra, Guilherme Tyndale come­çou a dar a Bíblia ao povo na sua própria língua.
Sendo severamente perseguido, foi obrigado a fugir para Colônia, onde tudo estava caminhando bem, quando um padre odioso, procu­rando saber do seu trabalho, embriagou os impressores e aprendeu o segredo da empresa. De Colônia, Tyndale foi a Worms, onde a Reforma de Lutero estava progredindo. Ali completou a sua tradução em 1526. Os exemplares foram enviados à Inglaterra secretamente em peças de fazenda, sacas de farinha de trigo, etc. Porém os inimigos da Palavra de Deus, junto com os católicos fervorosos, iniciaram uma campanha para acabar com esta tradução, e o bispo de Londres comprou todas as cópias que pôde achar e queimou-as em St. Paul's Cross, nessa cidade. Felizmente, ainda mais cópias emanaram pelo dinheiro das que o bispo comprou. Em outubro de 1536, Guilherme Tyndale foi traído, estrangulado e depois queimado na estaca pelos católicos romanos, que sempre se opuseram à leitura da Bíblia no vernáculo. Antes do último suspiro este grande reformador rogou: "Deus, abre os olhos do rei da Inglaterra".
Aqueles que queimaram a Bíblia de Tyndale mal supunham que três anos depois o rei dissesse: "Em nome de Deus deixo a Bíblia ser espalhada entre o povo”. A nova tradução que ele fez circular foi conhecida como a Grande Bíblia, devido ao seu tamanho, e também como a Bíblia Encadeada, porque estava acorrentada aos ban­cos das igrejas, para maior segurança. Infelizmente, mais tarde o rei Henrique VIII proibiu a circulação das Escrituras; consequentemente a destruição de Bíblias pelos católicos era tremenda. As perseguições continuaram e alguns reformadores ingleses fugiram para Genebra, onde publicaram uma Bíblia, conhecida como a Bíblia de Genebra. Esta foi traduzida diretamente do grego e hebraico, e foi a primeira Bíblia inteira a ser dividida em versos e em que foram omitidos os Livros Apócrifos.
A história da Bíblia em inglês é de grande importância e interesse; porém não nos devemos desviar do nosso propósito de tratar do Livro dos Livros em português. Deixemo-nos, então, voltar para o assunto. Menciono essas traduções ingle­sas para mostrar que tinham influência na Europa também.



8CAPÍTULO

A VERSÃO DE ALMEIDA



Até o último quarto do século XVI não havia versão alguma completa e impressa das Escrituras em português, A zelosa rainha D. Leonor, mulher de D. João XI, tentou vulgarizar as Escrituras, Ela mandou traduzir e imprimir, em 1495, a expensas suas, a Vida de Cristo, que foi originalmente escrita na língua latina pelo Doutor Ludolfo, de Saxônia, e que continha muitas citações da Bíblia. Dez anos depois ela mandou publicar na língua lusitana os Atos dos Apóstolos e as epístolas universais de Tiago, 1 Pedro, João e Judas. Esta nobre senhora faleceu em 1525, e por uma reação do clero essas obras desapareceram das bibliotecas. Uma segunda edição da Vida de Cristo foi publicada em 1554; porém esta teve a mesma sorte.
Nesta época, organizaram-se diversas com­panhias comerciais para o desenvolvimento das várias colônias dos países europeus. Entre estas, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, que se organizou em 1602, cuja carta patente exigiu que cuidasse em plantar a Igreja entre os povos e procurasse a sua conversão nas possessões tomadas aos portugueses nas Índias Orien­tais. Foi esta companhia que mais tarde patrocinou a revisão do Novo Testamento de João Ferreira de Almeida, em 1693.
João Ferreira de Almeida nasceu em Lisboa, de pais católicos romanos, em 1628, e, passando aos tenros anos para a Holanda, aceitou a fé da Igreja Reformada em 1642, pela profunda impressão que causou em seu espírito a leitura dum folheto espanhol. Desde o princípio da sua con­versão, mostrou a sua aptidão para o estudo eclesiástico. Ignoram-se as circunstâncias que o fizeram transportar-se a Batávia, onde se tornou muito ativo e zeloso no trabalho da evangeliza­ção, pregando nas línguas portuguesa, espanhola, francesa e holandesa. Durante a sua longa vida pastoral escreveu e publicou várias obras de caráter religioso, entre as quais sobressai a ver­são portuguesa da Bíblia. “Deixou completa a coleção de todos os livros do Novo Testamento, não logrando, porém, concluir a tradução do Velho Testamento, que só chegou até o livro de Ezequiel, capítulo 48, versículo 21”. Ele foi casado, mas não consta que tivesse descendência. Faleceu em Batávia aos 6 de agosto de 1691.
João Ferreira de Almeida traduziu o Novo Testamento do próprio texto grego, com o auxílio da Vulga­ta; porém seguiu o grego quando se achou em desacordo com a Vulgata. Na sua obra, acrescentou os textos paralelos da Escritura na margem, e, no princípio de cada capítulo, pôs o sumário ou os artigos de que nele tratava.
Em 1681, começou a publicação da Bíblia de Almeida pelo Novo Testamento. A primeira edição foi feita em Amsterdam, por ordem da Companhia Holandesa das Índias Orientais, para circular entre as igrejas evangélicas portuguesas, que esta companhia estabelecera nas suas feitorias asiáticas. Eis o título: "Novo Testamen­to, isto é, todos os sacrossantos livros e escritos evangélicos e apostólicos do Novo Concerto de nosso fiel Senhor, Salvador e Redentor Jesus Cristo; agora traduzidos em português pelo Padre (") João Ferreira de Almeida, pregador do Santo Evangelho. Com todas as licenças necessárias. Em Amsterdam, pela viúva J. V. Someren. Ano 1681.
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(*) Os missionários Holandeses de Tranquebar se intitularam a si próprios de padres dominicanos, mas não tinham ligação com a ordem dominicana católica. É bem provável que eles, sendo “pouco conhecedores do idioma, julgassem que o adjetivo dominicano era derivado de Dominus, e ingenuamente supusessem que se dizerem ministros do Senhor ou Padres Dominicanos era uma e a mesma coisa (A Bíblia em Portugal, G. L. Santos Ferreira, pg. 42)”.

No reverso do frontispício vem esta declaração: “Este SS. Novo Testamento é imprimido por mandado e ordem da ilustre Companhia da Índia Oriental das Unidas Províncias, e com o conhecimento da Reverenda Classe da cidade de Amsterdam, revisto pelos ministros pregadores do Santo Evangelho, Bartolomeus Heynen, Johannes de Vaught". O trabalho tipográfico continha muitos erros e o próprio autor revoltou-se contra a incapacidade dos revisores.
Dois anos depois do falecimento de João Ferreira de Almeida, em 1693, saiu uma segunda edição do Novo Testamento, revista pelos mis­sionários da Companhia Holandesa das Índias Orientais e às expensas da mesma companhia. Eis aqui a cópia do seu título:

O Novo Testamento - isto é, todos os livros do Novo Concerto do nosso fiel Senhor e Reden­tor Jesus Cristo - traduzido na língua portugue­sa pelo reverendo Padre João Ferreira de Almei­da, ministro pregador do Santo Evangelho nesta cidade de Batávia, em Java Maior. Em Batávia. Por João de Vries, impressor da ilustre Compa­nhia, e desta nobre cidade. Ano 1693”.
No reverso do frontispício lê-se o seguinte: “Esta segunda impressão do SS. Novo Testa­mento, emendada, e, na margem, aumentada com os concordantes passos da Escritura Sagrada, à luz saiu por mandado e ordem do supremo governo da ilustre Companhia das Índias das Unidas Províncias na Índia Oriental e foi revista com aprovação da reverenda Congregação Eclesiástica da cidade de Batávia, pelos ministros pregadores do Santo Evangelho da Igreja da mesma cidade, Theodorus Zas, Jacobus op den Akker".
Estes revisores, sendo estrangeiros e incompetentes para rever a língua portuguesa, consequentemente fizeram consideráveis alterações, até mesmo desfigurando e corrompendo a beleza do original.
O Saltério de Almeida foi publicado no Livro da Oração Comum para o uso das congregações da Igreja Anglicana nas Índias Orientais, em 1695.
Nesta época, o rei da Dinamarca, Frederico IV, interessou-se em desenvolver no Oriente o conhecimento das Escrituras Sagradas, e pelo seu patrocínio foi estabelecido o trabalho em Tranquebar, aonde foram muitos missionários célebres. Para este trabalho foi publicada, em Amsterdam, uma 3° edição do Novo Testamento de Almeida, ás expensas da Sociedade Propa­ganda do Conhecimento Cristão, em 1712. Os revisores são desconhecidos. Nesta edição desa­pareceram os sumários dos capítulos.
Esta sociedade de Londres, reconhecendo a inconveniência e a despesa de fazer imprimir a Palavra de Deus na Europa para o uso da propaganda na Ásia, resolveu estabelecer uma oficina tipográfica em Tranquebar, encarregan­do-se os missionários dinamarqueses da direção da mesma. Deus estava, certamente, cuidando da impressão da Bíblia portuguesa, porque no transporte do material houve uma evidência da sua intervenção. “O material da tipografia foi embarcado em um navio da Companhia Holan­desa, para ser transportado ao seu destino. A saída do Rio de Janeiro, onde aportara, foi este navio aprisionado pela esquadra francesa, que se apoderou de todo o carregamento, voltando o navio ao poder da companhia armadora a troco de avultado resgate. Por circunstâncias absolu­tamente inexplicáveis e que muitos têm por miraculosas, os volumes que continham o mate­rial tipográfico foram encontrados intactos no fundo do porão, e no mesmo navio continuaram a viagem para Tranquebar". Com a chegada do material, alguns dos missionários se ocuparam na tradução da Bíblia e publicaram periodicamente diversas partes das Escrituras. Pela intervenção amigável de Theodoro van Cloon, um oficial holandês em Batávia, receberam eles os originais (Gêneses à Ezequiel 48:21) de Almeida em 1731. Quando o Senhor Cloon foi nomeado governador de Negapatão, interessou-se na obra da tradução pelos missionários holandeses e prometeu mandar-lhes a versão de Almeida logo que chegasse à Batávia para ocupar o seu novo cargo, o que efetivamente fez no ano seguinte. Com os manuscritos, ele mandou a quantia de oitocentos escudos para ajudar nas despesas da impressão.
Ao ouvir que existiam os manuscritos de Almeida, apressaram-se em traduzir os profetas menores para que pudessem publicar a Bíblia completa; porém, ao receber os originais, repa­raram que a revisão do mesmo seria muito demorada, razão porque publicaram os Profetas Menores só em 1732. Saiu esta obra em Tran­quebar, com este título: "Os doze profetas meno­res, convém saber: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Com toda diligên­cia traduzidos na língua portuguesa pelos padres missionários de Tranquebar, na oficina da Real Missão de Dinamarca. Ano de 1732”.
Foram publicados os demais livros do Velho Testamento na seguinte ordem: Os livros históricos - Josué a Ester - em 1738, revistos de acordo com o texto original pelos missionários holandeses de Tranquebar. Em 1740, saíram os Salmos, revistos e conferidos com os livros históricos de 1738. Quatro anos depois, foram publi­cados os livros dogmáticos - Jó a Cantares de Salomão. Em 1751, saíram os quatro profetas maiores - Isaías a Daniel. Os três primeiros, por Almeida, e o quarto, por Cristóvão Theodósio Walther. Com a publicação dos profetas maiores deu-se por terminada a primeira impressão do Velho Testamento na língua portuguesa. Porém o Pentateuco de João Ferreira de Almeida ficara por imprimir, o que se fez em 1757.
A primeira edição completa do Velho Testamento segundo a versão de João Ferreira de Almeida, na cidade de Batávia, no período de 1748-53 em dois volumes. Os livros de Gênesis a Ester compunham o primeiro volume, que foi publicado em 1748. Em 1753 saiu o segundo, com os livros de Jó a Malaquias. Estes dois volumes têm todas as páginas numeradas e, depois da do título, vem uma folha, dizendo: "Esta primeira impressão do Velho Testamento sai a luz às custas da ilustre Companhia Holandesa da Índia Oriental, por mandado do Ilmo. Sr. Gustavo Guilherme, Barão d'Imhoff, governador-geral, e dos Nobilíssimos Srs. Conselheiros da Índia...”
Deste trabalho escreve o Dr. Teófilo Braga: "É esta tradução o maior e mais importante documento para se estudar o estado da língua portuguesa no século XVII: o Padre João Ferrei­ra de Almeida, pregador do evangelho em Batá­via, pela sua longa residência no estrangeiro, escapou incólume à retórica dos seiscentistas; a sua origem popular e a sua comunicação com o povo levaram-no a empregar formas vulgares, que nenhum escritor cultista do seu tempo ousa­ria escrever. Muitas vezes o esquecimento das palavras usuais portuguesas leva-o a recordar-se de termos equivalentes, e é esta uma das causas da riqueza do seu vocabulário. Além disto, a tradução completa da Bíblia presta-se a um severo estudo corporativo com as traduções do século XIV e com a tradução do Padre Figueiredo do século XVIII. É um magnífico monumento literário”.
Para o fim do século XVIII, e o princípio do XIX, a coroa britânica incorporou Tranquebar aos seus domínios, e o idioma português foi gradualmente abandonado como a língua co­mercial, e consequentemente banido do uso das igrejas reformadas. Porém a divina providência estava preparando outro meio para a evangelização das terras do velho Portugal e a conservação da Bíblia portuguesa. Portugal, até então mergulhado nas densas trevas da superstição roma­na, experimentou uma renascença. Isto veio por uma série de acontecimentos. Pela opressão política, umas pessoas refugiaram-se em Plymouth e em outras cidades da Inglaterra, o território nacional foi ocupado por tropas inglesas e o exército lusitano organizado segundo o gênio disciplinador inglês, as relações comerciais e políticas foram estreitadas com a Grã-Bretanha, e propagou-se rapidamente por todo o reino o sentimento de tolerância religiosa. Isso, com as facilidades de comunicação com as ilhas e colônias portuguesas, induziu a Sociedade Bíblica Britânica a publicar uma edição do Novo Testamento em português da versão de João Ferreira de Almeida em 1809. Desde então esta sociedade tem publicado muitas edições, e, sob a mão de Deus, tem sido usada maravilhosamente para a disseminação da Bíblia em português.
Em 1819 a Bíblia completa de João Ferreira de Almeida foi publicada em um só volume pela primeira vez, com este título: "A Bíblia Sagrada, contendo o Novo e o Velho Testamento, traduzida em português pelo Padre João Ferreira de Almeida, ministro pregador do Santo Evangelho em Batávia - Londres, na oficina de R. e A. Taylor, 1819-8° gr. de IV - 884 pp., a que se segue, com rosto e numeração o Novo Testamento, contendo IV - 279 páginas". Sob os auspícios da Sociedade Britânica, a Bíblia de Almeida foi revista e conferida com os textos originais, em 1894; para melhorar a ortografia e corrigir os erros óbvios.
A Bíblia por João Ferreira de Almeida que atualmente temos, não é realmente dele, por causa das diversas correções e versões porque tem passado; entretanto, o texto original era dele e as modificações foram feitas devido as exigên­cias da língua, e à luz dos textos originais, e, sendo o primeiro a dar ao protestantismo portu­guês as sagradas letras, é digno de ser reconhecido como o autor da Bíblia que tem o seu nome.


9CAPÍTULO

A VERSÃO DE FIGUEIREDO



Durante o tempo do Papa Benedito XIV, por um decreto da Cong. do Índex, de 13 de julho de 1757, a Bíblia foi reconhecida como útil para robustecer a fé dos crentes pelas cerebrinas anotações. Esta nova atitude da Igreja Católica Romana deu um impulso à tradução da Bíblia, tomando-se a Vulgata como base. Entre os redatores mais fervorosos estava Antônio Pereira de Figueiredo, nascido em Tomar, perto de Lisboa, em 1725, que se tornou um padre secu­lar, e morreu num convento em Lisboa, em 1797, onde tinha estado por doze anos.
Afamado como latinista, historiador e, sobre­tudo, como teólogo com idéias liberais, ele estava habilitado para a tarefa da tradução. A sua versão da Bíblia foi feita da Vulgata, com refe­rência aos textos gregos originais. Por dezoito anos ele se ocupou com esta obra, a qual foi submetida a duas revisões cuidadosas antes de ser publicada. A Primeira edição saiu em 1778 pelo Novo Testamento, em seus volumes, de cerca de 400 páginas, com este título: “O Novo Testamento de Jesus Cristo, traduzido em portu­guês segundo a Vulgata, com várias anotações históricas, dogmáticas e morais, e apontadas as diferenças mais notáveis do original grego. Por Antônio Pereira de Figueiredo, deputado ordiná­rio da Real Mesa Censória".
Em 1782, foi publicada a tradução do Salté­rio, com uma nota assinada pelo tradutor, que só acha no fim do segundo volume, dando a data em que ele começou a obra, nestas palavras: "Comecei a tradução do Saltério a 22 de outubro de 1779 e acabei-a a 12 de janeiro de 1780. Seja Deus bendito para sempre".
O Velho Testamento de Figueiredo foi publi­cado em dezessete tomos seguidamente desde 1783 a 1790, com o seguinte título: "Testamento Velho, traduzido em português, segundo a Vul­gata latina, ilustrado de prefações, notas e lições variantes. Por Antônio Pereira de Figueiredo, deputado ordinário da Real Mesa Censória.
"Contém, este Velho Testamento, além dos livros canônicos, geralmente recebidos, todos os livros apócrifos, de que foi esta a primeira impressão regular em língua portuguesa. Cada livro é precedido de uma prefação, em que o talento e a erudição do autor se manifestam a cada passo".
A edição de sete volumes, completada em 1819, é considerada o padrão das versões de Figueiredo e inclui uma prefação importante. O primeiro volume traz o retrato de D. João, príncipe do Brasil, que se tornou D. João VI, rei de Portugal em 1799. Eis o seu título:
"A Bíblia Sagrada, traduzida em português segundo a Vulgata latina. Ilustrada com prefações, notas, lições variantes. Dedicada ao prínci­pe Nosso Senhor, por Antônio Pereira Figueiredo, deputado da Real Mesa da Comissão Geral sobre o exame e censura dos livros. Edição nova, pelo texto latino que se ajuntou e pelos muitos lugares que vão retocados na tradução e notas".
A Bíblia de Figueiredo em um só volume foi publicada pela primeira vez em 1821, com o seguinte título: “A Santa Bíblia, com todo o Velho e o Novo Testamentos. Traduzidos em português pelo Pa­dre Antônio Pereira de Figueiredo - Londres: impresso na oficina de B. Bensley, em Bol­t Coult, Fleet-Street. 1821”.
Há duas coisas notáveis na edição de 1828, que foi preparada por Bagster, o grande editor inglês de Bíblias, a saber: ela não contém os Livros Apócrifos e foi aprovada em 1842 pela rainha D. Maria II, com a consulta do patriarca arcebispo eleito de Lisboa. Em 1840, uma cópia desta Bíblia foi oferecida ao governador de Ter­ceira, uma ilha dos Açores, pelo vice-cônsul britânico, em nome da Sociedade Bíblica Britânica, junto com um pedido para uma licença de distribuir cópias similares a esta entre os pobres. Este pedido foi transmitido ao governo central em Lisboa. Consequentemente uma or­dem real foi obtida para os oficiais da Alfândega do porto de Angra do Heroísmo, para deixar entrar, livre de impostos, a remessa das Bíblias, e que, antes de distribuí-las, um exemplar fosse enviado a Lisboa para um exame oficial. Con­forme esta ordem, uma cópia da Bíblia foi remetida a Lisboa em 1842, a qual foi submetida ao patriarca arcebispo eleito de Lisboa, Francisco de S. Luiz (mais tarde Cardeal Saraiva), que deu um parecer favorável sobre o livro, com o resultado que em outubro do mesmo ano uma ordem real foi enviada à Terceira, exprimindo a aprovação do livro pela rainha de Portugal, baseada sobre a sanção do patriarca e licencian­do a distribuição gratuita, que se tornou efetiva antes do fim do mesmo ano com o auxílio dos oficiais e para a satisfação geral da população. A distribuição foi feita aos professores da instrução primária e secundária, uma para cada professor e duas para dois dos seus educandos dos mais pobres, e um apelo foi feito ao vice-cônsul britânico para que ele empregasse os seus esforços para que fosse entregue mais uma remessa de Bíblias. Devido a esta ordem real, a Sociedade Bíblica Britânica tem publicado, no frontispício da Bíblia de Figueiredo, desde 1890, estas palavras: "Da edição aprovada em 1842 pela rainha D. Maria II, com a consulta do patriarca arce­bispo eleito de Lisboa". Esta frase se encontra nas Edições atuais.

10CAPÍTULO

A EDIÇÃO BRASILEIRA


Em 1879, uma edição do Novo Testamento foi publicada pela Sociedade de Literatura Reli­giosa e Moral do Rio de Janeiro, que foi anun­ciada como "A Primeira Edição Brasileira". Porém foi a versão de Almeida revista pelos Srs.: Dr. José Manoel Garcia, Professor do Colégio D. Pedro II; Rev. M. P. B. de Carvalhosa, ministro do evangelho em Campos, e Rev. A. L. Blackford, ministro do evangelho no Rio de Janeiro e o primeiro agente da Sociedade Bíblica Americana no Brasil.
As Sociedades Bíblicas empenhadas na dis­seminação da Bíblia no Brasil reuniram-se em 1902, para nomear uma comissão para traduzir os textos hebraico e grego para o português. A Comissão tradutora foi composta de três estrangeiros, missionários das diversas juntas operan­do no Brasil, e diversos brasileiros, os quais foram: Dr. W. C. Brown, da Igreja Episcopal; J. R. Smith, da Igreja Presbiteriana Americana (Igreja do Sul); J. M. Kyle, da Igreja Presbite­riana (Igreja do Norte); A. B. Trajano, Eduardo Carlos Pereira e Hipólito de Oliveira Campos. Estes foram auxiliados na sua tarefa por diversos pregadores e leigos das igrejas evangélicas e alguns educadores eminentes do Brasil.
Além do texto grego e de todas as versões portuguesas existentes, a comissão tinha ao seu dispor muitos comentários e obras críticas que contêm os mais novos e mais úteis resultados da investigação e estudo moderno do Novo Testamento. Em 1904, edições de tentativa dos dois primeiros Evangelhos foram publicadas e, de­pois de alguma crítica e revisão, o Evangelho Segundo Mateus saiu em 1905. Os Evangelhos e o livro dos Atos dos Apóstolos foram publicados em 1906, e o Novo Testamento completo, em 1910. A Bíblia inteira apareceu em 1917*.
As autoridades católicas romanas, incitadas pela obra das Sociedades Bíblicas, na publicação das Sagradas Escrituras no vernáculo e na divul­gação delas em toda parte do país, têm publica­do diversas edições dos Evangelhos e do Novo Testamento. Porém não é mister tratá-las aqui.
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(*) Nota do DPG – A Bíblia da Edição Brasileira, considerada por muitos eruditos, deixou de ser reeditada para dar lugar à edição de Almeida, mais popular e por isso mais aceita.


11CAPÍTULO

COMO A BÍBLIA CHEGOU AO BRASIL



É difícil narrar com veracidade a origem do uso da Bíblia no Brasil, por falta de pormenores. Pelos três primeiros séculos da história do Brasil a Bíblia era proibida e negligenciada. Ela não estava na lista dos livros autorizados pela coroa de Portugal a circularem no Brasil durante os dias coloniais. Só em meados do século XIX a leitura dela foi permitida.
O célebre Villegaignon, depois duma experiência dolorosa, resolveu dedicar-se mais ao estudo da Palavra de Deus, e convidou a Igreja Reformada na França a enviar ministros do evangelho para evangelizar a sua colônia. Porém, desta resolução não houve bons resultados, e, certamente, ela não fez parte do início da disse­minação da Bíblia no Brasil.
Entre os colonos holandeses em Recife havia dirigentes de classes religiosas, e estes, de quando em quando, dirigiam preleções sobre a Pala­vra de Deus. Em uma das reuniões tomou-se esta resolução: "Fica entendido que se deve requisitar 20 grandes Bíblias para a introdução da nova tradução para o uso de cada um". Não podemos dizer se os pregadores conseguiram traduzir qualquer parte em português.
Somos obrigados a examinar a história das Sociedades Bíblicas Britânica e Americana para a nossa informação. Antes de 1836, estas duas Sociedades despacharam exemplares das Escrituras aos negociantes estrangeiros residentes na costa oriental do Brasil, para distribuição. Num livro velho há uma citação duma carta do Rio de Janeiro, de 23 de dezembro de 1837, do Rev. Justin Spauding, na qual diz que já distribuiu todas as Bíblias e Novos Testamentos enviados e que têm a certeza de que a Sociedade Bíblica Americana remeterá mais. No mesmo livro se refere às cartas escritas pelo Rev. Dr. D. P. Kidder, do Rio de Janeiro, em 13 e 29 de janeiro de 1838, em que relatou as vendas das Bíblias em português e latim.
Em 9 de março de 1838, a Sociedade Bíblica Americana mandou 75 Bíblias e 25 Novos Tes­tamentos à Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Metodista Episcopal, para o uso dos seus missionários no Brasil. Naquele tempo isto era um presente liberal, e os livros foram logo espalhados.
O Estado de São Paulo, em 1839, patrocinou a propaganda bíblica. O Rev. Dr. Kidder, pela sua influência e dedicação, ganhou a cooperação de algumas autoridades daquela província, e o Sr. Antônio Carlos, relator da Comissão da Instrução Pública, apresentou à Assembléia Provincial uma proposta para que fosse aceita uma oferta de Bíblias, dizendo: "Eu me proponho garantir da parte da Sociedade Bíblica Americana a doação de exemplares do Novo Testamento em português pelo Padre Antônio Pereira de Figueiredo em número suficiente para fornecer a cada escola primária na província uma biblioteca de uma dúzia, sob a simples condição de que esses exemplares sejam recebidos como entregues à Alfândega do Rio de Janeiro, a fim de serem distribuídos entre as ditas escolas e usados pelas mesmas como livros de leitura geral e instrução, para os alunos das mesmas escolas". Esta oferta foi recebida com satisfação, e é bem patente que nos primeiros dias da propagação da Bíblia ela teve boa aceitação.
As Sociedades Bíblicas continuaram a man­dar remessas das Escrituras para diversas pes­soas no Brasil, até que se estabeleceram elas mesmas no país. Freqüentemente se encontram Bíblias nas cidades à beira-mar e nas do interior mais longínquo, que foram distribuídas antes que estas Sociedades fossem estabelecidas em território brasileiro.
Os primeiros missionários protestantes chegaram ao Brasil em 1855, e no ano seguinte a Sociedade Britânica estabeleceu a sua agência no Rio. Em 1876 fundou-se a Socie­dade Americana também no Rio: Só na eterni­dade se revelará o benefício que estas sociedades têm trazido ao Brasil.


12CAPÍTULO

A SOCIEDADE BIBLICA DO BRASIL



Este nome, Sociedade Bíblica do Brasil, é rela­tivamente novo, mas significa muita coisa, como explicaremos. Ele tem 29 anos só, porque faz 29 anos que se fundou a Sociedade Bíblica do Brasil. Antes houve Sociedades Bíblicas Unidas que representavam duas Sociedades já existentes, que se fundiram numa só: Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira e Sociedade Bíblica Americana­.
O trabalho que as Sociedades faziam era muito importante; mas eram Sociedades estrangeiras - inglesa e americana. Sociedades que se esfor­çavam para divulgar a Bíblia, sem, contudo, certas disposições para que a nossa naciona­lidade, por si mesma, pudesse facilitar, com respeito aos propósitos e limitações, a obra divul­gadora da Bíblia. Ninguém se esqueça, todavia, do grande trabalho iniciado no Brasil e nele con­tinuado por essas Sociedades, até que, no dia 10 de junho de 1948, se criou a Sociedade Bíblica do Brasil e aquelas desapareceram. Instituição, cujo campo de trabalho era o Brasil todo, é certo, que suas responsabilidades eram grandes, definidas e urgentes.
Nomeou-se, pois, sua primeira diretoria, sen­do presidente o Rev. Bispo César Dacorso Filho, que permaneceu até 1957, quase dez anos, com exemplar diligência, de vivas lições e proveito, sendo eleito presidente de honra. De 1957 até hoje está na presidência o Rev. Benjamim Mo­raes. Substituiu o Rev. Bispo César, e vem sendo reeleito, graças ao seu merecimento e vivo empenho pela Sociedade Bíblica do Brasil.
Além do presidente, indispensável na diretoria de tão importante instituição, nomeou-se o Se­cretário-Executivo, Rev. Egmont Machado Krischke. Atribuições especiais, por sua nature­za e responsabilidades, o Secretário-Executivo tinha encargos definidos e inadiáveis. Estava ele em auspicioso começo de apenas um ano e meio, quando, eleito bispo de sua igreja, teve de deixar o cargo. Mas a Causa não sofre. Sem detença, providencialmente, é eleito (1950) o Rev. Ewaldo Alves, que assume a posição de Secretário-Geral da Sociedade Bíblica do Brasil e nela permanece.
Nesta breve referência damos nota de quando e como apareceu a Sociedade Bíblica do Brasil, sua presidência e secretaria-geral. Mas a Sociedade é do Brasil, e o Brasil é consideravelmente grande. Para que a Sociedade o sirva e lhe atenda aos razoáveis reclamos, organizou logo suas secretarias regionais, seis, cada uma servida por seu Secretário-regional, respectivamente: no Rio-RJ, em São Paulo (Capital), em Recife-PB, em Porto Alegre-RS, em Belém-PA e na Capital Federal, Brasília-DF.
A Sociedade Bíblica do Brasil tem seu Estatuto: é declarada de Utilidade Pública (Dec. 57.171 de 4 de novembro de 1965); tem por lema dar a Bíblia à Pátria; publica, desde sua fundação, a revista A Bíblia no Brasil, seu órgão oficial; adota colportagem, mediante centenas de obrei­ros; tem seu Departamento Feminino Auxiliar; apresenta programas regionais de rádio e mantém Boletins regionais de informações.
Tudo isto, com seus funcionários e coopera­dores outros de todas as igrejas evangélicas, para que traduza, revise, edite e divulgue a Bíblia, o livro por excelência do ensino revelado de Deus para o homem.



13CAPÍTULO

A SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL
E SUA EDIÇÃO REVISTA E ATUALIZADA

Felizmente, as edições da Bíblia se sucedem. A princípio, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira; a seguir, a Americana; mais adian­te, as duas já fundidas; e, afinal, criada a Sociedade Bíblica do Brasil (10/6/1948), apenas esta... Todas, porém, se mantiveram, cada uma em seu prazo, para editar e divulgar a Bíblia em português.
Era considerável a publicação da Bíblia na tradução de João Ferreira de Almeida, ao mesmo tempo que se editava na do Pe. Antônio Pereira de Figueiredo. Em 1917, deu-se pronta no Brasil a tradução chamada Brasileira. Preciosa, fiel aos originais e nossa, do Brasil, como lhe chamavam, teve grande apreciação dos mais conhecedores, que lhe sentiam o mérito da fidelidade à fonte: hebraico e grego. Mas a generalidade dos leitores teve suas reservas, quase embaraço, por motivo de transliteração e próprios no Antigo Testamento, desfigurando­-lhes dificultosamente, assim, a grafia como a pronúncia. Em vez de dizer facilmente Nabuco­donozor, dizia Nebuchadnezzar; em vez de Sin­sai, escrevia Shimshai; em vez de Afarsaquitas registrava Apharsathchitas; em lugar de Sesba­zar, Shesbazzar; e assim todos, centenas deles. Em todo o Antigo Testamento, os nomes pró­prios, procurando figurar o hebraico, desfigu­ravam, realmente, o português. Leitura particu­lar tinha seus reclamos; leitura pública, seus tropeços; leitura, voz audível, reciprocamente, seus desencontros e tartamudez.
Em vista, pois, de a Versão Figueiredo, vinda do latim, com linguagem clássica, menos fiel aos originais, e a Tradução Brasileira, fiel ao texto hebraico e ao grego, mas tanto quanto estranha com a grafia e prosódia dos nomes próprios do Antigo Testamento, tornarem-se difíceis para a generalidade dos leitores, vingou preferência a Tradução de João Ferreira de Almeida.
Esta, muito apreciada no Brasil, bom verná­culo, menos clássica que a de Figueiredo, era já a de maior uso entre nós. Mesmo assim, para que satisfizesse, a um tempo, aos estudiosos da tra­dução e aos leitores na sua generalidade, estava merecendo certa atualização da linguagem. A tradução antiga de Almeida, em suas sucessivas edições, desde o começo, teve na linguagem suas mudanças, para, sem perder a fidelidade, facili­tar mais compreensivamente a mensagem. E isto, é fácil de se entender, teria de continuar, pelas mesmas razões. A última atualização da linguagem foi a da Sociedade Bíblica do Brasil, que veio a nomear-se por Edição Revista e Atualizada no Brasil e perdura ainda. Dizemos ainda, porque, com o passar dos anos, as palavra mudam de sentido, mas a verdade bíblica não pode mudar. Ora, se muitas palavras, com o tempo, mudam de sentido, é necessário, por vezes, que na linguagem bíblica se mudem palavras para que a mensagem não mude de significação. Vem daqui e que, de longe em longe, se faz sob o título de revisão: rever e mudar a linguagem, para manter e não mudar a mensagem e seu sentido.
A Edição Revista e Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil teve por base a edição de João Ferreira de Almeida (1940). Foi esta que a Comissão Revisora estudou e repassou, com certo reajuste vocabular quanto aos originais e atualização da linguagem. Comissão composta de hebraístas e helenistas competentes, e de vernaculistas e seu relator, durante alguns anos; processou a obra zelosamente, com vistas na realidade que se impunha: falar a linguagem de hoje, português mais nosso do Brasil, já muito diferente do de Portugal, e, por isso mesmo esperando no livro por excelência - a Bíblia - de considerável divulgação em nosso país. O secretário da Comissão Revisora foi o Rev. Antônio de Campos Gonçalves, que, ao lado de seus nobres colegas, redigiu o texto de toda a Bíblia; foi ele o seu relator: grande tarefa que realizou, do começo ao fim, responsavel-mente, com fidelidade e gosto.
A Bíblia hoje, da Edição Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade Bíblica do Brasil, é de geral aceitação. Seu Novo Testamento mereceu recomendação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (1968), e vem sendo largamente divulgado.

1971 Ewaldo Alves



14CAPÍTULO

A IMPRENSA BÍBLICA BRASILEIRA


O dia 2 de julho de 1940 marca a data histórica na vida evangélica brasileira, pois neste dia reuniram-se seis dedicados obreiros batistas para iniciar a obra da Imprensa Bíblica Brasilei­ra.
Esta reunião foi resultado de uma decisão tomada pela Missão Batista do Sul do Brasil em sua assembléia anual no mês de junho de 1940, quando voltou a recomendar a criação de uma entidade que teria como finalidade imprimir e distribuir a Bíblia no Brasil.
Já havia muitos anos, obreiros evangélicos vinham sentindo falta de Bíblias, e a procura estava sendo maior do que os estoques enviados para o Brasil. Em 1930 o Dr. H. C. Tucker, da Sociedade Bíblica Americana, declarou que po­deria ter distribuído quatro vezes o número de Bíblias vendidas naquele ano, se tivesse estoques suficientes. Ele estava muito interessado em con­seguir a impressão das Escrituras no Brasil.
Já por aquela ocasião havia um esforço unido neste sentido. A Casa Publicadora Batista se ofereceu para imprimir as Bíblias, se pudesse receber da América as chapas já preparadas. Receberia o pagamento da mão de obra em Bíblias. Porém não houve resultado positivo, e os anos se passaram, com a necessidade sempre crescente.
A guerra no Oriente já envolvia recursos britânicos, o que vinha prejudicar o fornecimen­to da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, e o resultado foi que na assembléia anual da Missão Batista do Sul, em junho de 1940, houve pleno apoio à idéia da criação de uma nova entidade que imprimiria a Bíblia no Brasil.
Naquela primeira reunião da Imprensa Bíblica foram tomadas três decisões: iniciar imedia­tamente a impressão da Bíblia na tradução de Almeida, com a ortografia oficial; iniciar os planos para o preparo de uma nova tradução da Bíblia e nomear comissões para trabalharem tanto no Velho quanto no Novo Testamento; e prosseguir com o preparo do estatuto oficial.
Em 2 de junho de 1942, o presidente, T. B. Stover informou à Imprensa que os quatro Evangelhos já estavam compostos e prontos para serem impressos; os livros de Atos e as duas cartas aos Tessalonicenses estavam prontos para revisão pela comissão de redação. O anteprojeto do estatuto foi examinado. O Dr. Stover também informou que o grupo havia recebido ofertas no total de US$ 5.946,42 para iniciar a obra.
Em 14 de julho de 1942 os estatutos receberam a sua aprovação final, e logo foram registrados. Ali a Imprensa Bíblica Brasileira tomou personalidade jurídica e veio a existir formal e oficialmente. 25 de junho de 1943 foi o dia do início da impressão da Bíblia no Brasil. A Segunda Guerra Mundial já estava envolvendo a vida de muitas nações. Alguns navios com carregamentos de Bíblias para o Brasil foram a pique, e já se estava tornando séria a falta de Bíblias no país. Alguns já tinham conseguido a impressão do Novo Testamento no Brasil, mas a Bíblia ainda não tinha sido produzida aqui.
Em 1944 a impressão termina. Logo são encadernadas Bíblias pelos preços de dez cruzeiros (cruzeiros velhos em substituição aos mil réis) para a Bíblia popular e cinqüenta cruzeiros (US$ 2,50) para a Bíblia encadernada a couro. Devido à guerra, era impossível importar papel para esta primeira edição, assim foi impresso em papel brasileiro fornecido pela Fábrica Piraí, que tinha a capacidade técnica de produzir este papel para Bíblias por ser fornecedora de papel para cigar­ros.
Aparece, então, na Bahia o mercado negro de Bíblias. A procura era tão grande que a Bíblia de Cr$ 50,00 estava sendo vendida por Cr$ 80,00 e até Cr$ 100,00!
Enquanto as Bíblias da primeira impressão estavam sendo distribuídas, a segunda edição já estava em processo de execução. E assim se sucedia, edição após edição.
Tão grande foi o impulso dado com a impres­são de Bíblias que a Casa Publicadora Batista foi obrigada a comprar mais um prelo grande. Também foi necessário construir mais um pavi­mento no seu prédio, para acomodar a seção de encadernação.
Em 1948 já não havia mais espaço para se expandir. Deus apontou a direção a tomar atra­vés de J. J. Cowsert, secretário da Imprensa Bíblica e pastor da igreja Batista em Tomás Coelho, e o resultado foi a compra, em 1948, do terreno ocupado agora pela oficina gráfica da Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira, antiga Casa Publi­cadora Batista.
Um novo prédio para a oficina foi terminado em 1949, novas máquinas instaladas, e a obra começou a expandir-se. Na providência de Deus, muito se deve a um ilustre crente presbiteriano, turista da outra América. Depois de visitar o Brasil, depois de ver tantas oportunidades para a proclamação do evangelho, escreveu ao seu ami­go particular, presidente da Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, insistindo em que aquela Junta apoiasse condignamente o trabalho que estava sendo feito, qual seja, a impressão da Palavra de Deus no Brasil. Logo chegaram ofertas para a compra do terreno, para a construção da oficina e para a aquisição de algumas máquinas.
Edições várias se sucederam, dentro das possibilidades financeiras da Casa Publicadora. Algumas ofertas vieram dos irmãos batistas dos Estados Unidos para ajudar na impressão. Po­rém a grande maioria das Bíblias eram vendidas abaixo do seu custo, e é óbvio que somente se pode garantir a continuidade da impressão se o dinheiro que voltar for suficiente para imprimir e distribuir a Bíblia novamente.
A política financeira da Imprensa Bíblica tem sido a da autonomia, isto é, preços de venda que permitam a reposição de estoques. A expansão da obra depende de ofertas do "Dia da Bíblia" e de outros irmãos e amigos.
Até o fim de 1977 a Imprensa Bíblica comple­tou 35 impressões diferentes da Bíblia na tradu­ção da antiga de Almeida, num total de 2.573.504, fora os Novos Testamentos e alguns milhões de Evangelhos.
O ano de 1971 marcou época na história da Imprensa Bíblica, pois a Junta de Educação Religiosa e Publicações recebeu nesse ano outra doação vultosa, que possibilitou a renovação da oficina gráfica. O alvo imediato da Imprensa Bíblica é elevar as tiragens da Bíblia até 1.000.000 por ano. O desenvolvimento do país, o aumento da população, justificam um esforço redobrado no sentido de imprimir até 100.000.000 de Bíblias e de distribuí-las às multidões que ainda não conhecem a Cristo.


Edgard F. Hallock



15CAPÍTULO
A TRADUÇÃO REVISADA DA
IMPRENSA BÍBLICA BRASILEIRA

Na primeira reunião da lmprensa Bíblica Brasileira, em 2 de julho de 1940, a primeira decisão tomada foi de iniciar imediatamente a impressão da Bíblia no Brasil. A segunda decisão foi a de iniciar a revisão do texto da tradução de Almeida. Comissões foram nomeadas para iniciar os trabalhos e foi eleito presidente da comissão revisora o Dr. S. L. Watson, diretor do Colégio e Seminário Batista do Rio de Janeiro, em 1917-18 e 1935-36; diretor do Seminário Teológico Batista do Recife, em 1941; diretor da Casa Publicadora Batista várias vezes e professor e autoridade na língua hebraica. O Pastor Ma­noel Avelino de Souza, o Dr. W. E. Allen, professor de Grego no Seminário Batista do Sul do Brasil, o Dr. A. R. Crabtree, professor de Hebraico, e outros fizeram parte dessas comissões. Já havia muitos anos, sentia-se a necessidade de uma revisão na tradução de Almeida. As modificações naturais do sentido de certas palavras através de muitos anos, e, especialmente, o progresso nos estudos do texto grego exigiam modificações no texto antigo, que tanto havia servido ao povo do idioma português.
O primeiro resultado do trabalho da comissão apareceu em A Harmonia dos Evangelhos, de Watson e Allen, sendo impresso em 1942, com o texto revisado. Um trabalho desta natureza, que implica em tanta responsabilidade, não pode ser feito com pressa. E, assim, os anos passaram, com a comissão continuando suas pesquisas, seus estudos e a revisão prosseguiram com fir­meza.
A comissão usou os melhores textos gregos, pois tem havido milhares de manuscritos desco­bertos e grande progresso no estudo crítico textual desde os dias de Erasmo. Pois a velha tradução de Almeida, na parte do Novo Testa­mento, foi feito do Textus Receptus, Novo Tes­tamento Grego, compilado por Erasmo e publi­cado em 1516, baseado em manuscritos gregos eivados de modificações, acréscimos e omissões, dependendo da capacidade e do zelo dos copistas daqueles dias.
A tendência de muitos copistas era sempre "melhorar" ou "revisar" o texto, como muitas "comissões de redação" revisam o texto de esta­tutos de nossas organizações hoje em dia. O resultado do zelo destes copistas geralmente foi acrescentar ao texto original uma palavra ou uma expressão, quando o copista achava por bem harmonizar os textos ou às vezes, e isto raramente, omitir.
Podemos citar vários exemplos deste tipo de modificação. Temos o acréscimo à porção de Jesus em Mateus 6:13. Esta frase não estava na Bíblia de S. Jerônimo, baseada em texto grego mais antigo, e consequentemente não está na Bíblia católica.
Em Colossenses 1:14, um copista acrescentou a expressão "pelo seu sangue", copiada da pas­sagem paralela em Efésios 1:7.
Em Mateus 1:25 o escriba acrescentou "o primogênito", copiado de Lucas 2:7, onde real­mente está.
Em Colossenses 1:2 “... e a do Senhor Jesus Cristo", copiado de I Tessalonicenses 1:1.
Em Mateus 19:16, 17 temos a referência do jovem rico, que chamou Jesus de "Mestre". O copista, no entanto, querendo fazer o texto conforme o Evangelho de Marcos (10:17, 18), acrescentou o adjetivo "bom".
Em Lucas 11:2-4 a oração dominical é mais curta que em Mateus 6:9-13. Portanto, o copista, querendo harmonizar o texto, acrescentou a últi­ma frase “mas livra-nos do mal”.
Apresentamos também mais uma ilustração, que, para a revisão em português é uma das mais interessantes, por causa da repercussão da omis­são no texto certo. Trata-se de Apocalipse 22:14. João escreveu em Apocalipse 7:14 que aqueles que vieram da tribulação lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Parece que um escriba, copiando a Vulgata no Latim, reparou que em Apocalipse 22:14 havia uma expressão semelhante. Querendo esclarecer melhor, acrescentou ao texto latim a expressão "no sangue do Cordeiro". Aparece pela primeira vez no Códex de Armachanus, no ano 812. Copiado daí, foi introduzido na Vulgata aprova­da mais tarde pelo Papa Sixto V, no ano 1590, e também nas edições oficiais de Clementine de 1592-1598. Foi este texto que passara para o Textus Receptus de Erasmo, compilação do No­vo Testamento Grego publicado em 1516, e que serviu a Almeida no seu trabalho de tradução para o português. Portanto, este como alguns outros versículos trazem acréscimos colocados por copistas zelosos muitos séculos antes.
Esta expressão não aparece em nenhum grego dos dias de hoje, nem nas margens aparece como possível variante, e não aparece em nenhuma tradução feita nos últimos anos em qual­quer das línguas principais do mundo.
Outro princípio básico da revisão da Impren­sa Bíblica Brasileira é o de modificar o mínimo possível a tradução antiga. Modificações foram introduzidas somente quando necessárias. A grande comissão de Jesus em Mateus 28:18-20 serve de exemplo. A antiga Almeida diz: "Por­tanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo: ensinando-as a guardar..."A revisão diz com precisão, o que modifica realmente o sentido da expressão, "Portanto, ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os...”
Como resolver o problema das modificações textuais quando se deve omitir expressão tradicional? A Imprensa Bíblica concluiu pelo uso de colchetes para indicar aquelas palavras ou expressões, e anota ainda na margem o fato. O ideal será o texto limpo, sem colchetes, como está na Bíblia de Púlpito, publicada em 1968, e, naturalmente, chagará o dia quando isto será possível para todas as edições. Contudo, por enquanto há muitos crentes que não conhecem os problemas envolvidos numa revisão das Escritu­ras e não entendem o significado de um acrésci­mo ao texto. Eles recordam a advertência de João em Apocalipse 21:19, mas esquecem a advertência do versículo 18. Não podemos tirar qualquer palavra da Bíblia, mas não podemos acrescentar também. Precisamos confiar nos homens de Deus que têm estudado com tanta dedicação e tanto amor as questões do texto, para que tivéssemos a Palavra de Deus na sua pureza.
A Imprensa Bíblica Brasileira tinha pronta sua revisão do Novo Testamento em 1949, a qual apareceu em edição especial naquele ano. Essa edição mereceu a consulta de outros, como sub­sídio para ajudar no trabalho da "Edição Revista e Atualizada no Brasil” da Sociedade Bíblica do Brasil.
A revisão do Velho Testamento foi muito mais difícil e mais árdua. O texto hebraico era mais difícil, e há três vezes o volume em número de páginas. No entanto, o trabalho foi terminado em 1960, justamente na ocasião quando a Sociedade Bíblica do Brasil estava lançando a sua revisão. A Imprensa Bíblica achou que não ficaria muito bem aparecerem as duas revisões na mesma ocasião, e resolveu então aguardar alguns anos.
Já passaram vários anos desde o aparecimento daquela edição revista e atualizada, e a Imprensa Bíblica julgou oportuno lançar a sua revisão, fruto de 20 anos de trabalho dedicado a cuidadoso. Em 1968, foi publicada a revisão da Imprensa Bíblica Brasileira em forma de Bíblia de Púlpito. No princípio de 1972 apareceu a tradução de Almeida em revisão da Imprensa Bíblica no formato comum. Esperamos que venha ajudar a todos os crentes a compreenderem melhor a Palavra de Deus, a ser instrumento do Espírito Santo para a edificação dos santos e o crescimento do Reino de Deus na terra.
As linhas mestras que orientaram esta revisão foram: 1) fidelidade aos textos mais antigos existentes, por serem os mais próximos dos ori­ginais; 2) fidelidade, até onde possível, as expressões e linguagem do texto da primeira revisão de Almeida publicada no Brasil; 3) linguagem vernacular expressiva e escorreita, ainda que simples.

1971 - Edgard F. Hallock
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Em 1974 foi eleita uma comissão para assesso­rar quanto às revisões necessárias nos textos editados pela Imprensa Bíblica Brasileira. Esta comissão é de caráter permanente e seu presidente é o Dr. João Filson Soren.


(Nota da redação)